O hall de entrada da Fundação José
Augusto estava lotado. Um calor insuportável. Artistas, produtores
culturais, jornalistas e funcionários do órgão aguardavam a então
governadora Wilma de Faria anunciar o valor da renúncia fiscal para os
projetos que seriam contemplados pela lei Câmara Cascudo de incentivo à
cultura. Estamos em 2006, eu era repórter de cultura da Tribuna
do Norte.
Ali, em meio àquele alvoroço de gente,
me espremia entre uma pilastra e um poeta para chegar perto da mesa
principal quando um puxão no meu braço me tirou de rota. O sorriso largo
que apertava ainda mais os olhos miúdos e o abraço eram inconfundíveis.
Cantei a pedra: Deífilo Gurgel, o ‘professor’, estava preparando mais
uma das suas.
Fazia algum tempo que não nos víamos.
Coisa de semanas. De vez em quando, o telefone da velha TN tocava. Era
ele falando de algum artista esquecido pela falta de memória do
estado. Naquela manhã, na Fundação, Deífilo tinha novidades. Como quem
conta um segredo a um amigo, disse que viajaria no dia seguinte para o
interior do estado. A ideia era mapear todos os locais e ver como
estavam os personagens que descobriu na viagem de 1979, que deu origem
ao livro ‘Espaço e Tempo do Folclore Potiguar’.
Com a cara de pau que Deus costuma dar
aos repórteres, perguntei se tinha vaga: - Vai apenas eu e o motorista,
Rafael…Voltei ao jornal, combinei com Cínthia e Peixoto e,
em meia-hora, Deífilo ligava para confirmar.
- Tudo certo, professor! Posso levar um
fotógrafo? Deífilo ria. No dia seguinte, às 7h30, ainda dentro do
ônibus, vejo no visor do meu celular o nome do professor. Do outro lado,
depois do bom dia, um pedido inusitado:- Rafael, me faça um favor, em
vez de ir para a Fundação, me espere em frente à igreja de Santa
Terezinha. Só fui entender quando começou a viagem. Deífilo ficou com
medo que alguém do governo achasse que ele estivesse usando o carro para
se promover com a imprensa. Esse excesso de humildade é marca da
personalidade do professor.
No caminho, proibiu também o motorista
de ligar o ar-condicionado do carro em Natal. - Vamos deixar para quando
tiver muito calor. As pessoas acham que só porque é do governo tem que
gastar. Foi uma viagem de lições pelos litorais Norte e Sul.
Era emocionante vê-lo reencontrar amigos ou familiares de quem já tinha
partido. Cada abraço tinha o conforto da saudade morta. Há uma
reciprocidade bonita e ingênua no amor entre o professor e a cultura
popular. Voltei para casa lembrando o que Nelson Sargento disse uma vez
sobre o amigo Cartola e, ali, entendi o tamanho e a dor dessas
saudades. Deífilo ainda resiste. Mas no fundo ele nunca existiu: foi um
sonho que a gente teve.
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