segunda-feira, 30 de julho de 2012

Bartolomeu Correia de Melo: a simplicidade de um sábio.


Conheci Bartolomeu Correia de Melo, o grande Bartola (como o chamavam os amigos), na Cooperativa Cultural do Campus da UFRN, há mais de dez anos. Possivelmente, não lembro com exatidão, o excelente contista me foi apresentado pelo livreiro Luiz Damasceno ou pelo professor e escritor pernambucano Carlos Newton Júnior, que presidia a Cooperativa naquela época. 
Posteriormente, o próprio Bartolomeu presidiu a entidade que mantém a importante livraria incrustada no Centro de Convivência do Campus. Foi ali, em meio ao burburinho do bom comércio dos livros, que comecei a ter mais contatos com o saudoso professor universitário e escritor de contos e de livros essenciais na biblioteca de qualquer que ame a literatura de melhor qualidade produzida no Nordeste, como fazem exemplos ?Estórias Quase Cruas?, ?Lugar de Estórias? (premiado pela UBE/PE) e ?Tempo de Estórias?, ambos publicados pela Editora Bagaço, de Recife (foi autor, também, vale lembrar, de belos livros infantis).
Eu conversava ? durante o tempo em que presidiu a Cooperativa ? quase que diariamente com o escritor, fascinado pela sua sabedoria e pela sua forma simples de ver a vida e de lidar com o mundo das letras, sem arrotar erudições falsas. Percebia em Bartola um sempre muito saudável e sábio distanciamento daquela conhecidíssima vaidade presente no mundo intelectual. Não se revestia da soberba que alguns alimentam em torno de seus próprios umbigos.
Era um escritor que realmente vivia em busca das belezas mais tranquilas, mais sóbrias, sem ser metido, sem ser inconveniente. Simplesmente, amava a literatura. E não somente a prosa, basta perceber a escolha de epígrafes que encimam os seus contos, muitas retiradas de textos poéticos.
Não sei em que medida o fato de ter sido um profissional e um acadêmico numa área tão distinta como a da Físico-Química estabeleceu o comportamento especialíssimo de Bartolomeu; mas sei que a sua visão e a forma como se guiava por entre mundos que teimam em ser cruéis e ingratos, como são o da academia universitária e o da literatura, eram sempre baseados em uma posição serena que permitia manter um centro de equilíbrio quase que perfeito, favorecendo o criar literário em detrimento da vida literária.
O que importava para Bartolomeu era a criação literária, era o tecer do texto, era encontrar as soluções mais simples e sábias (e, evidentemente, belas) para os contos que trazia diante dos nossos olhos deslumbrados.
Por ocasião de uma das versões do Encontro Natalense de Escritores (ENE), em 2007, tive a oportunidade de ? convidado por Dácio Galvão ? contribuir com algumas sugestões de mesas de debates. Propus, na ocasião, pelo menos uma que foi prontamente acolhida: ?A prosa nordestina e seus aspectos?, destacando os nomes de Ronaldo Correia de Brito, Francisco Dantas, Humberto Hermenegildo e, claro, Bartolomeu Correia de Melo.
Esse foi um dos meus maiores orgulhos intelectuais.
Dois outros orgulhos ? que guardo com um carinho acima da média ? foram: ver um trecho de um poema meu encimando o conto ?Desafogo?, do livro ?Tempo de Estórias? e ter participado como jurado (a convite de Bartola) de um concurso de poesia da Cooperativa do Campus, ao lado de Luiz Damasceno e do grande poeta Jarbas Martins.
Minha saudade desse homem e escritor é vasta como os verdes de Ceará-Mirim, terra onde foi criado e que amava profundamente, a ponto de torná-la o principal cenário de seus escritos. Acredito que ainda temos muito ? os escritores e leitores ? a aprender com Bartolomeu Correia de Melo e seu importante legado construído de palavras e sabedoria.

por Lívio Oliveira 
Procurador Federal e Escritor
livioliveira@yahoo.com.br

quinta-feira, 26 de julho de 2012

“O Nome da Rosa” 32 anos depois

Em entrevista à rádio France Culture, Umberto Eco fala sobre a reedição do romance

Em razão do relançamento do romance “O Nome da Rosa” na França, o escritor e semiólogo Umberto Eco concedeu uma entrevista à rádio estatal France Culture.
Ao longo dos 60 minutos, Eco discorre sobre o processo de criação do romance, lançado em 1980. Fala também sobre sua tradução para outras línguas, que, acredita, não deva ser feita “palavra para palavra”, mas sim “mundo para mundo”.
“O Nome Da Rosa” foi responsável por tornar Umberto Eco mundialmente conhecido. O enredo do romance, situado na Idade Média, gira em torno de investigações, promovidas pelo frade franciscano Guilherme de Baskerville e o noviço Adso de Melk, de uma série de crimes misteriosos cometidos em uma abadia que, acaba-se descobrindo, está relacionada com a manutenção de uma biblioteca secreta repleta de obras apócrifas.
Para ouvir a entrevista, clique  aqui.

Fonte: Revista Cult

segunda-feira, 16 de julho de 2012

CDS: Instantâneos do tempo - Muirakytan de Macêdo



Pelo menos até agora não conseguimos, de corpo e alma, voltar no tempo! No entanto, de um modo misterioso, o passado viaja até nós. Afinal, do tempo pretérito nos chegam informações dispersas em escritos, vozes, objetos e imagens.  De nossa parte, uma das formas de “voltarmos ao passado” é decodificarmos estas mensagens, até como maneira de entendermos nosso presente.
Neste livro, o leitor vai encontrar este exercício de retorno e presentificação. O Colégio Diocesano Seridoense é aqui tomado como um portal para esta torna-viagem. Sintomático lugar, visto que uma das instituições que mais nos marcam a memória é a escola.
Misto de reflexão escrita e álbum de fotografias, este livro se propõe a ser uma cápsula do tempo. Pensa e enxerga o tempo e o espaço da educação no Seridó através desta septuagésima instituição escolar.  
Trilhamos aqui um dos itinerários que levam ao que o Seridó produziu com mais eficiência: a educação escolar.

Muirakytan K. de Macêdo
Professor e pesquisador
UFRN - CERES

Lançamento no Colégio Diocesano Seridoense - Caicó - RN
Quinta Feira - Dia 19 do mês de Santana
a partir das 18h

domingo, 15 de julho de 2012

A Alegoria do Açude..Por Vicente Serejo especial para o Sebo Vermelho






    O sertão de Oswaldo Lamartine, desde A Caça nos Sertões do Seridó, seu livro de estréia, em 1961, foi sempre erguido com a literariedade das coisas materiais e ao mesmo tempo alegóricas. Um território épico e lírico ao mesmo tempo, marcado pela dura realidade de um chão de espinhos e, ao mesmo tempo, forrado de flores. É como se a vivência do etnógrafo e as lembranças do menino se misturassem nos olhos do escritor, fazendo da narrativa a argamassa da construção e da reconstrução.
    E uma das narrativas mais exemplares dessa fusão que de um lado documenta e do outro liberta a imaginação é exatamente este ensaio que merece uma nova edição, agora autônoma, depois de ter sido parte integrante de 'Sertões do Seridó', a reunião dos olhares oswaldolamartianos, editados pelo Senado Federal com prefácio erudito e consagrador do professor Francisco das Chagas Pereira que faz, certamente, a primeira tomada de posse acadêmica e ao mesmo tempo literária da obra de Oswaldo.
    Cuidadoso no esmero e na exatidão da síntese, Oswaldo nada esquece quando documenta. Sabe cumprir o belo aprendizado que reconheceu ter guardado de leituras e conversas com Câmara Cascudo ainda quando espiava, espiava e não via o sertão monumental. E o homem feito no talhe de um grande leitor descobre o outro sertão que ia além, muito além daquelas serras da infância. E é este sertão que ele ergue. Épico e lírico, entre pedras e páginas, silêncios e palavras, numa pastoral de reencontros.
    Quem mergulha nas águas do seu açude, cristalinas de tão cheias de sol ou turvadas das chuvas nas invernadas do sertão, vai descobrir que o açude grande, de verdade, e o pequeno, invenção dos meninos, são feitos da mesma carga emocional. Não é à toa que ele vai buscar numa quadrinha popular de José Lucas de Barros a certidão, como um ferro de gado, para marcar o que precisa reservar como posse e domínio:

    Vendo d'água a terra cheia
    Eu sinto doce lembrança
    Do meu tempo de criança,
    Dos meus açudes de areia   

    Na porteira deste seu ensaio que agora o Sebo Vermelho reedita, Oswaldo teve o cuidado de demarcar o açude como um território dessa infância que reconstrói a cada livro e que nasce do seu olhar de sertanejo cósmico e universal. O seu açude não é apenas o lugar que os homens da civilização da seca inventaram, nas gargantas das serras, para que as águas fossem prisioneiras da necessidade humana. É também, com as suas águas, um símbolo de vida, o lugar bíblico da criação.
    Eis sua descrição na abertura do texto, antes dos aspectos históricos e técnicos, estabelecendo estética de uma cartografia alegórica e, por isso mesmo, livre do apenas real.
   
'Espia-se a água se derramando, líquida e horizontal, pela terra adentro a se perder de vista. As represas esgueiram-se em margens contorcidas e embastadas, onde touceiras de capim de planta ou o mandante de hastes arroxeadas debruçam-se na lodosa lama. O verde das vazantes emoldura o açude no cinzento dos chãos. Do silêncio dos descampados vem o marulhar das marolas que morrem nos rasos. Curimatãs em cardumes comem e vadeam nas águas beirinhas nas horas frias do quebrar da barra ou ao morrer do dia. Nuvens de marrecas caem dos céus. Pato verdadeiro, putrião e paturi grasnam em coral com o coaxar dos sapos que abraçados se multiplicam em infindáveis desovas geométricas. Gritos de socó martelam espaçadamente os silêncios. O mergulhão risca em rasante vôo o espelho líquido das águas. Garças em branco-noivo fazem alvura na lama. É o arremedo, naqueles mundos, do começo do mundo... '.
    Este é Oswaldo Lamartine. Épico e lírico. Real e irreal. Verdadeiro e alegórico.

sábado, 14 de julho de 2012

A Bandeira da Resistência

Artífice do tempo
Maria Betânia Monteiro - repórter

O paraibano, radicado em Natal, Antônio José Bandeira é um daqueles homens simples e cheios de mistério; mas um deles, a sua arte revela: o amor pelos livros. Gráfico no mínimo há 60 anos, Seu Bandeira diz que pediu à mãe para matriculá-lo na escola porque queria entender as coisas que via. Trabalhando de dia e estudando à noite, ele não pôde se dedicar aos estudos por muito tempo, mas acabou encontrando nas palavras impressas o seu sustento e a sua longevidade.  Há 60 anos no ramo gráfico, Antônio José Bandeira mantém viva a arte de encadernar livros e de cunhar títulos e textos com tipos móveisHoje aos 83 anos, aposentado, Seu Bandeira arrastou para sua casa um pouco do que encontrou em estabelecimentos comerciais e empresas públicas: a amizade, as maquinas de corte e impressão, os tipos gráficos – milhares deles – e a arte de encadernar livros.

Com uma clientela cativa, Seu Bandeira recebe encomendas diárias de jornais da cidade, como a Tribuna do Norte, de professores, e de donos de bibliotecas. Um deles, um médico, que preferiu não identificar, já teve quatro mil livros encadernados pelo artesão. “Um livro encadernado por mim dura toda uma vida”, disse Seu Bandeira, que recebeu a reportagem do VIVER em sua casa, na manhã de ontem.

Vestindo uma camisa branca da Bahia, Seu Bandeira foi logo dizendo: “É da Bahia, mas foi comprada aqui mesmo, não tem problema não”. A conversa aconteceu na sala da casa do encadernador, que fica numa das ruelas antigas do bairro das Rocas. Dividindo o espaço com uma guilhotina mecânica enorme, uma prensa e uma máquina de gravar, todas alemãs e com no mínimo meio século de uso, ele falou sobre o seu trabalho e muito pouco sobre sua vida.

Com trabalho, ele disse ter conseguido conquistar quase tudo o que sempre sonhou; encaminhou seus cinco filhos homens e suas duas filhas mulheres na vida e comemora o fato de ter a comida garantida todos os dias. “Hoje não quero saber o que os meus filhos fazem. Quero que eles olhem para trás e vejam o que eu fiz.” Mantendo uma rotina pesada, Seu Bandeira acorda às 5h todos os dias e percorre a rua onde mora, para tomar café com a filha. Pouco depois está de volta, dando início ao seu trabalho.

Ele corta os papéis, folhas avulsas, ou livros inteiros. Depois,  faz o agrupamento das páginas, costura manualmente com linha de náilon, num belíssimo trabalho artesanal e sela com cola branca. Depois de deixar secar, Seu Bandeira alinha a brochura com a guilhotina e passa para a segunda etapa. Com papelão e um tipo especial de papel, ele faz a capa e a finaliza com uma faixa de brim no dorso, onde são impressos, com tipos móveis, os dados do livro. O encadernador fala que para compor as frases que serão imprensas no dorso, ele leva cerca de trinta minutos.

O trabalho é minucioso. Afinal, são 25 tipos de fontes, sendo cada uma delas composta de diversos tamanhos. As pecinhas de chumbo ficam distribuídas em diversas gavetas, organizadas no corredor da casa de Seu Bandeira. “Mas eu não reclamo de nada disso não, pois se inventassem um computador para encadernar eu já estava vendendo picolé na praia.”

Apesar de todo o trabalho, Seu Bandeira diz estar satisfeito com a profissão. “Aqui a gente lucra pouco. Nós fazemos mesmo é por paixão”, diz ele, que usou o plural para se referir aos filhos, que no final do expediente (ou mesmo no intervalo) se unem a ele. “Ensinei tudo aos meus filhos e gostaria que eles ensinassem aos filhos deles também.”

Um de seus filhos, Francisco Bandeira, chegou ao local de trabalho na hora em que o pai havia feito, mais uma vez, o mesmo pedido à reportagem: “Não publica isso não.” Ele estava falando de uma das fases de sua vida, quando teve que comer mingau de jabá com farinha fina, para poder sobreviver.

O fato não envergonha Seu Bandeira. O que ele não quer é revelar os detalhes sobre sua vida. Todas as informações preciosas ele quer guardar para compor sua autobiografia. Uma forma de colocar em prática o sonho de ser jornalista.

Sem  detalhes

Aguardando que esta repórter fechasse o caderno e guardasse a caneta, Seu Bandeira começou a revelar detalhes de sua vida, depois de ter feito um esforço enorme para escondê-los durante a entrevista. Ele falou de como nasceu, como chegou a Natal, quais trabalhos realizou antes de ser gráfico, quem conheceu, quando se casou... Ele, porém, pediu sigilo total sobre o assunto.

Mas o que seu Bandeira não sabia é que debaixo das lentes pesadas de seus óculos escapavam várias outras informações preciosas, como a sua vivacidade, seu empreendedorismo, a saudade pelo tempo que se foi, o sofrimento da perda de um filho e a frustração de não ter estudado tanto quando desejou.

O encadernador fez apenas um pedido: que nesta matéria fosse citado o nome de Alfredo Lira, dono da Tipografia Lira, local onde aprendeu quase tudo o que sabe. Segundo ele, a outra parte da aprendizagem veio como consequência. Seu Bandeira trabalhou no jornal católico “A Ordem”, na Editora da UFRN, e, assim como os filhos, no final do expediente ia fazer o que mais gostava: aprender. “Eu ia quase todas as noites à Tribuna do Norte. Lá, aprendi a fazer os títulos das reportagens e amigos”, disse ele, que há mais de 30 anos tem a TN como cliente. Frustrações na vida foram três, mas ele só permitiu falar de uma: a de não ter sido jornalista. As outras duas provavelmente estarão em sua biografia, que não tem data para ser publicada.

Fonte:

http://tribunadonorte.com.br/noticia/artifice-do-tempo/155883

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Lançamento do livro "Picuí do Seridó: dos primórdios até 1930", de Fabiana Agra.



ESTÁ CONFIRMADO O LANÇAMENTO DO LIVRO "PICUÍ DO SERIDÓ: DOS PRIMÓRDIOS ATÉ 1930". SERÁ NO PRÓXIMO SÁBADO, 14 DE JULHO, A PARTIR DAS 9 HORAS DA MANHÃ, NA LIVRARIA "SEBO VERMELHO", LOCALIZADA NA AV. RIO BRANCO, 705 - CENTRO - NATAL - RN. LIVRO DE AUTORIA DA DRª FABIANA AGRA.

Peregrino Modernista - Por Vicente Serejo




Sua consagração como escritor nacional veio no rastro luminoso dos seus dois maiores conjuntos de contos - Mata Submersa e Matupá, ambos nascidos das histórias, mitos e lendas da vida amazônica, onde foi médico ainda no início da vida profissional. Uma literatura que se revelaria forte e tão brasileira que fixaria seu nome na cena modernista, com uma presença nas Seletas publicadas pela Editora José Olympio com seus maiores nomes e no grande elenco da Coleção Nossos Clássicos da editora Agir.
A glória do contista venceu o ensaísta, a ponto de elegê-lo para a Academia Brasileira de Letras - o segundo norte-rio-grandense a alcançar a imortalidade nacional, depois de Rodolfo Garcia e antes de Murilo Melo Filho - escondendo o grande ensaísta que ousou, como médico e escritor, elucidar de uma vez a epilepsia da qual era portador Machado de Assis, num ensaio que se tornaria célebre e insuperável: 'Doença e Constituição de Machado de Assis', volume 171 da Coleção Documentos Brasileiros.
O crítico literário atuou em vários jornais e revistas de circulação nacional, daí ser sempre citado por historiadores e estudiosos do modernismo brasileiro, mesmo agora, em 2012, nos noventa anos da Semana de Arte de 1922. Sua atuação, ao lado de Jayme Adour da Câmara, um dos editores da Revista de Antropofagia, e de Câmara Cascudo, este no plano do Movimento Regionalista, marcam a presença do Rio Grande do Norte nos jornais, revistas e embates literários em torno das idéias modernistas.
É o grande ensaísta que brilha aqui, nesta edição do Sebo Vermelho que o editor Abimael Silva aceitou desentranhar de 'Três Ensaios', o pequeno livro lançado pela Livraria São José, Rio, em 1969, e no qual Peregrino Júnior reuniu três dos seus mais importantes textos ensaísticos: Modernismo, Graciliano Ramos e Amazônia. Uma edição com o sentido histórico de fixar a visão de um potiguar que viveu aqueles tempos de ousadia modernista, depois de um quase um século da ruidosa semana.
O ensaio de Peregrino, como ele mesmo confessa na abertura, mas sem detalhar a data original, nasceu da uma conferência sua, em Montevidéu, sobre o modernismo brasileiro, a convite do Itamarati como representante do Brasil. Das anotações que usou como roteiro para a sua exposição no Uruguai, nasceu este ensaio que reconhece não ser um levantamento completo pela extensão do tema e dos seus desdobramentos, mas é inestimável como testamento, ele que foi 'testemunha dos acontecimentos'.
Consciente do novo Grito do Ipiranga que marcaria, cem anos depois da Independência, uma nova tomada de posse do território, agora no sentido estético, Peregrino não renega as raízes ao registrar que em 1919, morando em Belém do Pará, leu, por sugestão de um amigo, aqueles versos estranhamente livres e ousados do livro 'Carnaval' de Manuel Bandeira, 'lição antecipadora de Debussy'. Depois, conviveu, no Rio, com as figuras de dois grandes modernistas: Graça Aranha e Ronald de Carvalho.
Escreveu seu ensaio quando já fazia parte da Academia Brasileira de Letras, mas nem por isso deixa de conferir a Graça Aranha a ousadia do seu 'Espírito Moderno', conferência com a qual rompeu com a tradição do Petit Trianon para ser um dos líderes da Semana de Arte. É tanto que reafirma a posição modernista e frontal contra o arcadismo e seus modelos clássicos: 'Graça Aranha desejava uma arte que transpusesse para a música, a pintura e a poesia as nossas gentes, saindo das florestas e do mar'. 
É o olhar de quem esteve diante da cena, a partir de 1921, que está nestas páginas.  Erguido aqui, com todas as experiências idas e vividas, para repetir Machado de Assis, tão caro a Peregrino Júnior. Que não se desvende agora, pois, todo esse olhar para que o leitor possa, interessado ou curioso, alongar sua visão na trilha luminosa do mais vivo depoimento de um norte-rio-grandense que viveu e conviveu com a revolução estética que mudaria, para sempre, o ritmo e o timbre da criação literária no Brasil

Lançamento Sábado 28 de Julho no Sebo Vermelho
A partir das 10h.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Memórias de um velho imigrante




Yuno Silva - repórter

A memória de Natal enquanto centro urbano ainda é um grande e incompleto quebra-cabeças, onde lacunas históricas são preenchidas aos poucos e a revelação de novos detalhes atiçam a curiosidade quanto à formação da própria identidade da capital potiguar. Dentro desse contexto, um novo capítulo sobre a cidade será conhecido a partir das lembranças do italiano Rocco Rosso (1899-1997). Como uma verdadeira colcha de retalhos, as lembranças de Rosso, que chegou no RN em 1926, foram costuradas pelo genro Carlos Roberto de Miranda Gomes e organizadas no livro "O velho imigrante", a ser lançado na próxima quinta-feira (5), às 19h, na Academia Norte-Riograndense de Letras.
O título sai com a chancela da Sebo Vermelho Edições e da União Brasileira de Editores (UBE-RN), e pode ser encarado como uma biografia ampliada devido a presença de informações preciosas sobre a época em que Natal era uma importante base para a aviação mundial como documentos, relatos, fotografias e anotações colecionadas ao longo de quase sete décadas por Rocco. Entre as várias pérolas garimpadas por Carlos Roberto, 72, no acervo do sogro, uma deverá reacender a contestada passagem do aviador e escritor francês Saint-Exupéry pelo Estado.

"Apresento uma versão pessoal para o episódio, a partir de documentos, reportagens e fotografias reunidas por Rocco", disse Miranda Gomes por telefone à reportagem do VIVER. O autor explica que teve o cuidado de incluir opiniões divergentes sobre o fato polêmico: "As fotos que estão no livro foram feitas por Rocco, que trabalhava na base aérea e tinha o hábito de fotografar as pessoas que passavam por lá. Ele identificou a pessoa nas duas imagens publicadas no livro como sendo Exupéry, e não vejo motivo para inventar uma história dessas", acredita. Rosso mantinha cadernos com recortes de jornais, chegou a ter três mil, "mas quase todo esse acervo foi comido por cupins. Sobrou muito pouco", lamentou o escritor.   

Também advogado e pesquisador, Gomes lembra que as possíveis imagens do francês durante sua passagem por Natal começaram a ser contestadas algum tempo depois, quando disseram que era "apenas" uma pessoa parecida.

Segundo Carlos Roberto, que dedicou boa parte de um capítulo para esmiuçar o assunto, há depoimentos, reportagens, registros históricos e estudos sobre os relatos do aviador afirmando ser muito difícil para Exupéry descrever a geografia da região se não tivesse passado por aqui. "Há argumentos dos dois lados, mas os mais fortes dão conta dessa passagem", informou, lembrando que o fotógrafo João Alves de Melo (1896-1980) fez fotos do período e que um livro está para ser editado pela família com a comprovação (ou não) da presença ilustre em solo potiguar. "Eu vi a foto, mas a família não permitiu fazer uma cópia", garantiu.

Contemporâneo dos fotógrafos Jaecy Emerenciano e Valdemir Germano, ambos vivos, Rocco Rosso nunca solicitou naturalização e considerava-se cidadão brasileiro.

RÁDIO E TELEVISÃO

Ferido durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), Rocco Rosso voltou ao front como operador de rádios e técnico em eletrotécnica. Com o fim do conflito e o mundo em plena recessão, o italiano, que já tinha parentes no Rio de Janeiro, resolveu atravessar o Atlântico em busca de novas oportunidades. "O Brasil era tido como o 'Eldorado' na época, e como ele tinha brevê de piloto e entendia de mecânica de aviões logo conseguiu um emprego na empresa que viria a ser a Air France", contou Carlos Roberto.

De acordo com o autor, Rosso ajudou a instalar várias bases de rádio pelo país e quando estava trabalhando no Recife, em 1936, resolveu trazer a família para morar em Natal. Foi responsável pela instalação da central de rádio na base aérea de Parnamirim "e durante esse período viu muitos pilotos aterrissarem e decolarem".

O imigrante italiano atuou na aviação até o momento do Brasil tomar partido. "Quando o país passa a integrar o time dos Aliados, preferiu sair da base com medo de ser acusado de alguma possível sabotagem que viesse a acontecer", informou. Ainda há outra versão para a saída de Rosso da base: a representação da empresa onde trabalhava foi desativada aqui em Natal. "Depois disso, abriu uma oficina na Ribeira e passou a consertar aparelhos eletrônicos".

Rocco Rosso manteve o ponto no número 45 da Travessa Argentina até 1962, entre 1963 e 64 foi morar em Belém (PA), mas acabou retornando à Natal quando a filha casou-se com Carlos Roberto de Miranda Gomes.

Irmão do arquiteto Moacir Gomes, projetista do estádio Machadão, o autor de "O velho imigrante" lembra que Moacir trouxe uma televisão do Rio de Janeiro quando Natal ainda nem tinha emissoras. "Rocco acabou inventando uma antena e conseguíamos assistir, muito precariamente, alguns programas exibidos em canais de Pernambuco". O fato despertou interesse de amigos, que resolveram investir no novo negócio: fincaram uma antena em um ponto alto da cidade "e foi a partir disso que as lojas da cidade começaram a vender aparelhos de televisão por aqui"; e assim Rosso passa a consertar rádios e televisores, indo trabalhar nas Casas Régio até se aposentar nos anos setenta.

"O velho imigrante", a ser lançado na próxima quinta-feira (5), às 19h, na Academia Norte-Riograndense de Letras.