quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Um disco para dias nublados
É difícil não associar o trabalho de Cícero à sua ex-banda, a Alice. Até porque quem escutou o Anteluz e o histórico Ruído, conhece bem aquela voz sofrida que se sobrepunha as 3 guitarras que a Alice se desafiava a criar e reger. Porém, o hiato sonoro entre Ruído (2007) e Canções de Apartamento, seu primeiro disco solo, cultivou certa curiosidade sobre qual destino se focaria o talento de Cícero Lins.
Ao cortar seu sobrenome, Cícero também lapidou os ruídos de guitarras e passou a andar mais solto, acompanhado apenas de seu violão e utilizando do suporte de Paulo Marinho (bateria) e Bruno Schulz (acordeon/piano/coro), para 3 anos após o fim da Alice e dezenas de discotecagens na noite carioca depois, lançar suas canções de apartamento ao mundo e novamente se sentir na correria de uma banda independente e sofrer para saber a opinião das pessoas e da imprensa sobre seu novo filho.
Climático, o disco é feito para se ouvir com atenção, deixando ecoar no ouvido e virar docemente a trilha sonora do seu dia. É brilhante. Uma viagem ao interior de uma mente que parece expressar-se perfeitamente em letras sentimentais, melodias densas e vocal tristonho. Por vezes, soa como as cantigas melosas de Milton Nascimento, a sensibilidade triste de Rodrigo Amarante e até como a pseudo-rockeiragem de Caetano Veloso. Ao mesmo tempo, você sente pulsar aquele timbre, passagem ou composição que a Alice usou para conquistar fãs até hoje.
Ouvindo o disco, você sente que está dentro de um apartamento, onde a bateria ecoa e a voz sobressai de maneira independente da música. Em “Cecília e os Balões”, o tracejado do violão, o barulho de fundo e pequenos detalhes deixam a música mais real, como se Cícero tocasse ao seu lado e o convidasse para dividir os vocais e suas angústias. “João e o Pé de feijão” carrega uma surpreendente e explícita semelhança com “O Último Dia”, de Paulinho Moska, como se fosse uma versão ainda mais sofrida e experimental daquela música escrita para uma série global.
A abertura do disco, “Tempo de Pipa”, é talvez a canção mais perseverante e a que menos se encaixa com a tristeza incrustada no restante do álbum, mesmo assim é maravilhosa. Talvez, a melhor junto com “Ensaio Sobre Ela”. Canção com um acordeon doce em companhia de um violão bossa-nova, um dedilhado simples na guitarra e bateria baseada num samba de fim de tarde. Das letras, simples palavras que usadas com certo sentimento, traduziram a beleza e por vezes a ironia que Cícero quer mostrar. “Açúcar ou Adoçante” é, junto com seu nome, a provável melhor amostra desse denso repertório de palavras tristonhas e realísticas. “Laia Laia” e “Ponto Cego” sepultam a sua incerteza sobre a beleza de Canções de Apartamento.
Por vezes o silêncio faz bem: aguça a curiosidade e surpreende na volta. Utilizando desses simples pontos é que Cícero compôs a nova trilha sonora dos dias nublados, o som da dúvida em um relacionamento, o ruído e o silêncio do seu apartamento e as canções para voltar para casa. É inverno. Sinta-se completo. Sinta-se entendido.
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