quinta-feira, 13 de setembro de 2012


Foi um pedido de Abimael Silva a edição fac-similar do ensaio de Jackson de Figueiredo que há algumas décadas cochila à sombra silenciosa desta pequena caverna de livros. Como pediu um texto para contar um pouco da fortuna crítica de Auta de Souza que, no século passado e até hoje, é a maior e mais rica da nossa literatura. Uma estrela no firmamento poético da província.

A fortuna de Auta
                                                                   Vicente Serejo             

Horto é a história de uma grande dor.  Henrique Castriciano                                           
                                              
Auta de Souza não viveu no século vinte. Apenas um mês e sete dias, em 1901. O que lhe restava de vida nada mais foi do que os instantes finais da tuberculose que consumiu quase sua vida inteira. Viu o Horto sair dos prelos de A República com o prefácio de Olavo Bilac, e depois morreu.
Conviveu com a poesia, desde antes da adolescência, quando já ensaiava versos nos jornais da cidade, por influência dos irmãos Eloy de Souza e Henrique Castriciano. E, mesmo assim, não viu a glória. Feneceu sem ouvir o aplauso dos críticos literários mais consagrados do século passado.
A peste branca, a tuberculose, o mal que abria cavernas nos pulmões, deu o primeiro sinal ela ainda jovem, aluna do Colégio São Vicente, das irmãs francesas, no Recife velho. Uma hemoptise roubou sua alegria de viver, proibiu seu único amor e a fez triste, triste, de nunca mais ser feliz.
Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba a 9 de setembro de 1876 e fechou seus olhos para sempre na madrugada do dia 7 de fevereiro de 1901. Padre João Maria, o santo da cidade, deu-lhe a extrema unção, e o governador Pedro Velho, na cerimônia de adeus, beijou-lhe a testa sem vida.
Tinha 25 anos e esvaiu-se em versos para usar a expressão de Edgar Barbosa, prefaciador de Vida Breve de Auta de Souza, biografia, quase um poema em prosa, que Câmara Cascudo escreveu. Logo ele que, ao nascer, foi embalado nos braços tépidos da poetisa mística, amiga de sua mãe.
O prefácio de Olavo Bilac, príncipe dos poetas brasileiros, tem uma explicação: era amigo de Henrique. É tanto que a seu pedido, em carta que anos depois o poeta de Ruínas publicaria na Revista do Brasil, fundou os escoteiros no Rio Grande do Norte. Um aplauso discreto, mas consagrador.
A singela edição provinciana do Horto não bastava para a consagração nacional. Convencido de que era preciso levá-lo aos olhos dos grandes críticos, Henrique faz a nova edição em Paris, uma co-edição da Aillaud-Francisco Alves que saiu dos prelos de uma tipografia instalada no número 96 do Boulevard Montparnasse, em 1910, exatos dez anos depois de publicado e da morte de Auta.
Mas Henrique cuidou de manter tudo como na edição original. O prefácio de Olavo Bilac, as epígrafes de Edmundo de Amicis e os versos de Castro Alves. A dedicatória aos pais e às irmãs francesas do Colégio São Vicente, em Estância, gratidão às ‘formosas santas’, educadoras do seu espírito, além de uma revisão mais rigorosa do conjunto de poemas.
A nova edição ganha um tamanho menor, mais moderno, em capa verde, a efígie de Auta, em bico de pena, e ilustrações de D. O. Widhopff. Para fixar os traços de sua vida e do seu retrato literário, Henrique acrescentou o que chamou de ‘Nota’. Um posfácio indispensável para contar a história daquela poetisa ao mundo intelectual do Rio e São Paulo.
Ainda não será em 1903 nos Poetas Brasileiros Contemporâneos, seleção de Mello Moraes Filho, a primeira luz sobre Auta de Souza. Nem será em 1907, no Parnaso Brasileiro, de Afonso Costa. Mas em ambos há a presença de Henrique Castriciano, nosso único poeta nacional.
O efeito da nova edição e de sua circulação nacional, se registra menos de um ano depois, em meados de 1911. Nestor Vítor dedica um ensaio de quase doze páginas ao Horto, depois incluído no volume Os de Ontem. Classifica de ‘individualidade interessante’ a poesia de Auta e cita ‘a sóbria e comovente nota’ de Henrique para concordar com a influência de Marceline de Walmore.
É a também a edição francesa que vai impressionar fortemente ao então mais consagrado dos críticos católicos brasileiros, aquele que depois da conversão vai organizar o Movimento Católico Leigo do Brasil e a quem Alceu do Amoroso Lima, Tristão de Athayde, irá substituir à frente do Centro D. Vital depois de sua morte trágica: Jackson de Figueiredo.


Não é à toa que ele escolhe a poesia de Auta de Souza para, em 1924, ser o ensaio de abertura da série ensaística que anuncia como o roteiro da poesia cristã no Brasil.
Em 1936 - vinte e seis anos depois - sai a maior edição do Horto como tiragem, e aquela que manterá aceso o nome de Auta durante trinta e quatro anos, até a edição da Fundação José Augusto, em 1970. É a terceira edição, Typographia Batista de Souza, Rio, e incorpora ao seu acervo de textos consagradores o prefácio de Alceu Amoroso Lima. É ele vai buscar em Jackson a certeza de que o Horto eleva Auta de Souza à condição de maior nome da poesia mística no Brasil.
Nos últimos anos a Universidade Federal do Rio Grande do Norte lançou duas novas edições do Horto, a sétima destinada a promover o acesso aos estudantes em razão da inclusão da poesia de Auta no programa do vestibular em 2009. Ambas com a longa e erudita introdução da professora Ana Laudelina Gomes, autora de uma tese de mestrado sobre a poetisa de Horto.
É este ensaio de Jackson de Figueiredo, raridade bibliográfica desde o final dos anos vinte, que o editor Abimael Silva devolve aos olhos dos leitores contemporâneos oitenta e oito anos depois de brilhar em plena efervescência estética do Movimento Modernista de 22.

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