quarta-feira, 4 de maio de 2011

Amor e loucura dos Cavaleiros Andantes


João da Mata Costa

Que é loucura: ser cavaleiro andante
ou segui-lo como escudeiro?
De nós dois, quem o louco verdadeiro?
O que, acordado, sonha doidamente?
O que, mesmo vendado,
vê o real e segue o sonho
de um doido pelas bruxas embruxado?
Eis-me, talvez, o único maluco,
e me sabendo tal, sem grão de siso,
sou — que doideira — um louco de juízo.

(Disquisição na Insônia / Drummond )

Pelo amor tudo pode e adverte. Pelo amor luto contra gigantes e moinhos
de vento. Tudo por ela: a minha amada. Fico louco e dou cambalhotas na
razão. Cavalgo o Rocinante e luto conta as injustiças. Morro com Basílio
pelo amor Quitéria. Canto com Grisóstomo o amor de Marcela. Foi pelo
amor que Dante e Cervantes escreveram os dois maiores livros do ocidente.

O Orlando Furioso é um outro livro emblemático do renascimento e de
cavalaria quando a loucura esteve no centro das atenções e ações dos
bravos cavaleiros em busca de justiça. Os cavaleiros cristãos lutavam
contra os mouros na novela de Carlos Magno e do Orlando – sobrinho de
Carlos – que chega a surtos de loucura por amor da bela princesa
oriental Angélica. As raízes cristãs do Orlando Furioso foi percebida
pelo seu mais célebre leitor, Cervantes, que ao se referir ao seu autor
disse: “ el cristano poeta Luduvico Ariosto” .

No filme D. Quixote de Orson Welles um desesperado Sancho Pança procura
o seu amo e confidente na Lua. A lua foi durante muito tempo responsável
pelos seres lunáticos e desajuizados. O Orlando Furioso de Ludovico
Ariosto dominado por uma loucura furiosa também procura - na Lua - a
cura para o seu mal.

Por amor a Dulcinéia de Toboso o Dom Quixote trava todas as batalhas.
Por amor Orlando “venne in furore e matto”. Em Ariosto a poesia é vista
como espaço privilegiado do dialogo entre razão e loucura. O “ Sorriso
Ariosteco” renascentista surge deste assistir, em si mesmo e nos outros,
ao diálogo entre razão e loucura. Este olhar é antes de mais nada
introspectivo e auto irônico ( Francisco de Sanctis).

Miguel de Cervantes escreve sobre a universalidade e imponderabilidade
do amor. O amor não olha respeito nem guarda razões em suas palavras, e
tem a mesma prerrogativa da morte, que tanto acomete os altos palácios
dos reis, como das humildes choças dos pastores, e quando se apossa de
uma alma, a primeira coisa que faz é tirar-lhe o medo e a vergonha (Dom
Quixote II, 48 ).

O renascimento coloca o homem como personagem central do universo
filosófico. A cultura deixa a sua hierarquia essencialmente vertical - e
passa ser horizontal. Uma cultura de grande beleza plástica e simétrica.
Um predomínio da razão em detrimento das superstições e crendices, ainda
presentes no dia - a dia das pessoas. A convivência entre razão e
loucura está muito presente nas obras renascentistas. Erasmo escreve o
Elogio da Loucura onde a loucura é tratada poeticamente e Maquiavel
escreve o “Príncipe”. O Príncipe - ao mesmo tempo que precisa ser
prudente e justo -, necessita também reconhecer a força do imponderável,
do imprevisível daquilo que não se reduz ao factual. Diz Erasmo, que
teve grande influencia na cultura renascentista: “muitas vezes, também o
homem louco fala judiciosamente”. A influencia de Erasmo pode ser
percebida no Quixote, na medida em que sua loucura é uma loucura que
pode ser percebida em cada um de nós. Eu, você, o Cura , o Barbeiro e
Sansão Carrasco somos todos loucos.

Escreve Pedro Garcez Ghirardi na introdução ao Orlando Furioso (Ateliê
Editorial): Assim no centro do renascimento, com Maquiavel e Ariosto,
está o diálogo entre razão e loucura, diálogo oposto ao furor bestial ou
do racionalismo abstrato. O Recuo da loucura, nesse diálogo, levará ao
desequilíbrio do classicismo maneirista; seu contra-ataque levará ao
Barroco; sua derrota no século das luzes, levará ao monólogo da razão
triunfante.

A insanidade do cavaleiro da triste figura que teve os miolos amolecidos
com a leitura de tantos livros é o leit motiv de toda a trama romanesca
do maior romance de cavalaria. Se o Quixote não tivesse enlouquecido não
teria saído por três vezes de casa. Quando ele recobra a razão logo
morre. Sua razão era o pelejar. Nas personagens tornadas mitológicas do
D. Quixote e Sancho um pouco de cada um de nós e das nossas loucuras e
humor. Cervantes é uma dos maiores humoristas da literatura universal. A
loucura de Dom Quixote é simples veículo para certa idéia do viver
humano, diz o seu grande estudioso Américo Castro. Para Huizinga em Homo
Ludens ( 1944), Quixote não é louco nem idiota, mas alguém que joga de
cavaleiro andante, e jogar é uma atividade voluntária -, ao contrário da
idiotice e da loucura.

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