segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dia 29 de Outubro - Dia Nacional do Livro


Você sabe por que comemoramos o dia Nacional do Livro no dia 29 de outubro? Por que foi nesse dia, em 1810, que a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil, quando então foi fundada a Biblioteca Nacional e esta data escolhida para o DIA NACIONAL DO LIVRO.

O Brasil passou a editar livros a partir de 1808 quando D.João VI fundou a Imprensa Régia e o primeiro livro editado foi "MARÍLIA DE DIRCEU", de Tomás Antônio Gonzaga.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ivo Filho, A poesia dos primórdios


O Doutor FRANCISCO IVO CAVALCANTI foi uma daquelas pessoas que viveram para cumprir missões. Nascido no Século XIX, no segundo semestre de 1885 ou 1886 (há imprecisão), sendo filho de Ivo Cavalcanti de Andrade, o que lhe valeu adotar o nome artístico de Ivo Filho e de Dona Vitalina Evangelista Cavalcanti.
Sobre a sua personalidade, os contemporâneos lhe atribuem predicados de homem ameno, culto e decidido, intransigente na defesa dos seus clientes. Em particular, registro o comentário do insigne causídico João Medeiros Filho, que resume todo o seu ser: “culto, desprendido, corajoso, só enxergando no processo o seu patrocinado, em favor de quem recorria a todos os meios honestos atento à máxima – o dever do advogado é salvar o cliente”.
Sua trajetória de cultura começou muito cedo, quando se diplomou professor em 1910, proferindo aulas particulares, montando um Curso com o Dr. Luiz Antônio, lecionando inúmeras disciplinas, como português, francês, aritmética, álgebra, geometria, geografia, história geral e do Brasil. Sua fama lhe outorgou o título de “Mestre Ivo”. Foi professor da Escola Normal e do Atheneu. Depois de formado foi nomeado para a Faculdade de Direito da UFRN, não tomando posse em razão da idade, mas mesmo assim, mereceu a homenagem de Professor Emérito em 1961.
Ultrapassou a idade bíblica em mais 13 anos, com vida intensa, ocupando inúmeros cargos e funções públicas e desenvolvendo o magistério particular e público até obter o grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais – turma 1923, na Faculdade do Recife, quando então passou a dedicar-se integralmente ao novo ministério. Nessa profissão notabilizou-se por ter sido um dos fundadores da nossa Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte e seu primeiro presidente.
            Contudo, há um lado especial que desenvolveu com invulgar talento, calcado em sua cultura geral, mercê de uma rica biblioteca – as manifestações intelectuais como poeta, trovador, escritor, dramaturgo, ator, compositor, jornalista (A República, Diário de Natal e A Razão), político, teatrólogo, adotando dois pseudônimos, como era comum naquela época: Ivo Filho e Dinorah dos Santos.
Escreveu para o Teatro e foi letrista de modinhas famosas, sempre cantadas obrigatoriamente nas serenatas – Melancolia, em parceria com Miguel Pio (1912) e Súplica, com o parceiro Olympio Baptista Filho (1909), que mereceu uma gravação pela UFRN no ano de 1983, com a cantora Fátima Brito.
            Obra literária: estréia como poeta em 1906 com Crisântemos. Depois, seguidamente, Sônia, O Além, Degenerado, A infâmia é irremediável, Esses primos..., O flagelo, O motim, Em apuros, Sopa no mel, O jovem, Renúncia, Cartas para a eternidade, em 1947, Contos & troças-loucuras (em parceria com Jorge Fernandes).
                        As apresentações aconteciam, tanto no Teatro Carlos Gomes, quanto nos armazéns da Rua do Comércio, depois Rua Chile, através dos autores e atores natalenses e integrantes do ”Gymnasio Dramático de Natal” na condição de escola de teatro, inspirado no similar do Rio de Janeiro e, entre os artistas atuava Ivo Filho, juntamente com Luís Carlos Lins Wanderley, Joaquim Fagundes, Manoel Segundo Wanderley, Henrique Castriciano de Sousa, Isabel Urbana de Albuquerque Gondim, Ezequiel Wanderley, Stela Wanderley, Virgílio Trindade, Jorge Fernandes, Deolindo Lima e Joaquim Scipião, dentre outros.
Marcando o seu espírito pioneiro, foi, também, fundador da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras ocupando a cadeira 24, (que pertenceu ao seu amigo e parceiro Gotardo Neto). Criou a Oficina Literária “Lourival Açucena”, contando com a participação de grandes valores da terra, como Alberto Maranhão, Gotardo Neto, Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Ezequiel Wanderley, José da Penha, Pedro Alexandrino, Antônio de Souza, Pinto de Abreu, Ponciano Barbosa, Angione Costa, Jorge Fernandes, José Gobat, Josué Silva, Antônio Glicério, João Estevão, dentre outros.
            Ingressou na Maçonaria Potiguar – lojas “21 de Março” e “Evolução 2”, logrando o grau máximo.
Em 1968 foi o apresentador da obra de Câmara Cascudo – O tempo e eu, editado pela UFRN. Nessa apresentação teceu os comentários, aqui transcritos em resumo:
“ I – Vivo fosse o professor Pedro Alexandre, não a mim caberia fazer esta apresentação ... II – Morto já, o seu primeiro professor, a mim coube a honra da distribuição dessa incumbência, pelo fato de haver sido o seu segundo, pelos idos de 1914...”
            Foi chamado de volta pelo Criador e virou estrela em Natal no dia 11 de março de 1969, deixando na memória de todos e na minha, em particular, aquela festejada casa da Avenida Rio Branco, parte integrante da geografia sentimental de Natal, onde viveu seus melhores momentos e por onde eu circulava todas as tardes, vindo do Ginásio Natal, do Professor Severino Joaquim da Silva, onde hoje existem as “Lojas Americanas”. É nome de rua na Redinha, em cujas águas bebeu inspiração.
            Neste ensejo, em sua homenagem, a família reedita “Crisântemos”, com revisão do descendente Ivo Netto, obra da qual tenho a honra de fazer esta orelha.
A propósito, ao concluir o exame do texto, me foi enviado para alguma sugestão, no que respondi:
 
Nada tenho a dizer sobre os versos feitos,
Pois no sentir dos mesmos não encontrei defeitos
Que pudessem merecer qualquer reparo.
 
Sinto-me honrado, em poder revê-los,
Na mesma proporção em que o desvelo
Inspirou um Mestre em seu regalo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Zila Mamede por Zila Mamede.

Esta publicação é uma homenagem à
Zila Mamede, maior nome da poesia
norteriograndense, que gravou o
Memória Viva em 1983, e morreu nas
águas do Potengi em 1985;
o jornalista, fotógrafo e professor
Carlos Lyra, criador do Memória Viva,
que anda esquecido, injustamente
e o Jurista e editor Pedro Simões, que
publicou Zila Mamede e muitos
outros escritores do RN.

Abimael Silva

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

2 Histórias de Abimael Silva - Por Cellina Muniz

HISTÓRIAS DE ABIMALEK (1)
Além de sebista e editor, ele era um ótimo contador de histórias. Era narrador fazendo uma cobrança, era narrador pedindo a cerveja, era narrador relatando leituras. Ele era “o” narrador, daqueles do quilate de Cascudo, concluíam alguns enquanto o ouviam contando um de seus causos.
Naquele começo de noite de lua nova, por exemplo, o tema era de uma convergência bastante interessante: pichação e escola. Essa história ele narrou no lançamento das “Conferências no Colégio do Atheneu”, o número 342 da sua coleção João Nicodemos de Lima, num fim de tarde na Revistaria Atheneu.  Ao seu redor, sete ou oito pessoas (vice-diretor, professora, vereadora e não sei mais quem, além de Alice N. e do poeta em processo, fiel escudeiro). Ficaram todos calados e atentos, deleitados com a narrativa do sebista-editor, dinossauro da geração de primeiros livreiros, último representante de uma classe que remonta ao século XVIII...
 Mas eis a história (como contá-la tentando aquela narrativa?):
Nos seus tempos de pichador, anos atrás, quando ainda ensaiava os primeiros passos como sebista, saía anarquizando na sua bike pelas noites tediosas de domingo na pacata capital potiguar. Carlos Eduardo nem sonhava em ser prefeito e o boy ganhava certas madrugadas com uma lata de spray por dentro da camisa, pedalando à cata de muros onde pudesse fazer sua publicidade e apresentar-se ao mundo natalense:
SEBO VERMELHO: TRANSA FIADO, NO PAU OU FAZ TROCA-TROCA
Pois numa daquelas noites tediosas, quando começava na TV o Fantástico, doido para errar, sacou de sua lata (ou tala, na linguagem dos pichadores) e partiu na sua magrela. Pedalou da Cidade da Esperança até Petrópolis, quando deu de cara com o muro da esquina do Atheneu, simplesmente a instituição de ensino de mais tradição na cidade. Nem é preciso pensar nos nomes de quem passou por lá. Inclusive o jovem e iniciante sebista à época.
Anos depois do episódio, naquele começo de noite de lua nova das Conferências reeditadas, todos olharam imediatamente para o muro. Um muro alto, com três janelões, limpo e ostensivo. Imaginaram, então, como seria convidativo quando antes das atuais grades no muro da escola.
Depois de pichar sua publicidade, pensou o animal – “já trabalhei, agora é hora do lazer. O que é que eu vou pichar?” E como estivesse indignado com o Alfabeto da Xuxa, que naqueles anos de 1980 bombardeava as crianças e todos os demais para que tudo fosse grafado com x, resolveu poetar nas paredes da nobre casa do saber:
A XOTA
DA XUXA
É XUJA
Acontece que na época do ocorrido, segundo ele contou (com  olhos muito azuis por cima dos óculos), atuava na escola um certo professor que, clandestinamente, era dotado da singularidade de ter como apelido também o designativo de Xuxa, certamente por conta de critérios de ordem sexual.
O fato é que tal professor vestiu a carapuça e, alguns dias depois, foi bater lá no Sebo. Escrachou com o aprendiz de pichador: segundo o sebista-editor-narrador-pichador, o professor reconheceu o autor dos escritos infames pela letra (também infame): “Esse foi meu aluno!”
Xujou, Abimalek!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Ultima Sinfonia de Caetano Seboso

O cantor e compositor Gilberto Gil gravou hoje um depoimento de apoio a dois candidatos do PT: Fernando Haddad, que concorre à Prefeitura de São Paulo, e Nelson Pelegrino, que disputa o cargo em Salvador.
Os vídeos foram gravados na casa do compositor e devem ir ao ar nos próximos dias. A declaração de apoio de Gil a Pelegrino acontece três dias depois de Caetano Veloso ter dito que preferia a vitória de ACM Neto (DEM) na capital baiana.
O candidato do DEM é neto do senador Antonio Carlos Magalhães, que apoiou a ditadura militar e foi, por anos, a maior liderança política da Bahia.
"Eu prefiro que ele [ACM Neto] ganhe. Logo eu, que passei a vida inteira me opondo ao avô dele", disse Caetano na terça-feira (16), após show em homenagem a Ulysses Guimarães em Brasília.
Gil, que foi ministro da Cultura durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participou do show ao lado do amigo na terça.

Para o Mano Caetano

O que fazer do ouro­de-tolo quando um doce bardo brada à toda a brida, em velas pandas, suas esquisitas rimas?
Geografia de verdades, Guanabaras postiças saudades banguelas, tropicais preguiças? A boca cheia de dentes de um implacável sorriso morre a cada instante que devora a voz do morto, e com isso, ressuscita vampira, sem o menor aviso.
A voz do morto que não presta depoimento perpetua seu silêncio de esquecimento na lápide pós ­ moderna do eterno desalento:
E é o Raul, é o Jackson, é o povo brasileiro. É o hip hop, a entropia, entropicália do pandeiro do passado e do futuro, sem presente nem devir.
É o puteiro que os canalhas não conseguem habitar mas cafetinam. É a beleza de veludo que o sub-mundo tem pra dar mas os canalhas subestimam.
E regurgitando territórios-corrimões de um rebolado agonizante resta o glamour fim-de-festa-ACM de um império do medo carnavalizante.
Será que a hora é essa? A boca cheia de dentes vaticina: Não pros mano, Não pras mina. Sim pro meu umbigo, meu abrigo minhas tetas profanadas, Santo Amaro. Doce amaro, vacas purificadas.
Amaro bárbaro, Dândi-dendê. Minhas narinas ao relento cumulando de bundões que, por anos acalento. Estes sim, um monte de zé ­ mané que sob minha égide se transformam em gênios sem quê nem porquê.
Sobrancelho Victor Mature, delineando darravento. Eu americano? Não! Baiano! Soy lobo por ti Hollywood quem puder me desnature sob o sol de Copacabana. E eu soy lobo-bolo? Lobo-bolo. Tipo, pra rimar com ouro-de-tolo?
Oh, Narciso Peixe Ornamental! Tease me, tease me outra vez ou em banto baiano. Ou em português de Portugal. Se quiser, até mesmo em americano de Natal. Isso é língua! Língua é festa! Que um involuntário da fátria com certeza me empresta.
Numa canção de exílio manifesta, aquele banzo baiano. Meu amado Caetano, me ensinando a falar inglês, London, London. E verdades, que eu, Lobón contesto, como empolgado aprendiz, enviando esta aresta a quem tanto me disse e diz:
Amado Caetano: Chega de verdade! Viva alguns enganos! Viva o samba, meio troncho, meio já cambaleando. A bossa já não é tão nova como pensam os americanos.
A tropicália será sempre o nosso Sargeant Pepper pós baiano!
O Roque errou, você sabe disso. Digo isso sem engano. E eu sei que vou te amar, seja lá como for, portanto um beijo no seu lado super bacana. Uma borracha no dark side-macbeth-ACM por enquanto.
Ah! Já ia me esquecendo. Lembranças do Ariano.
Lupicínias saudações aqui do mano!
Esta bala perdida que te fala, rapá!
Te amo, te amo

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Poeta convida todo mundo para fazer aquele 69 lá no beco da lama.


FALVES SILVA 69 ANOS DE POESIA

 Pintor surrealista em 1966, poeta/processo a partir de 1967, Falves Silva, em apenas dez anos de atividades experimentais no interior de uma forte especulação (anti)literária, conseguiu se firmar como um dos maiores produtores contraculturais brasileiros do momento. Seus poemas e sua lucidez crítica e produtiva colocam-se no centro da vanguarda a mais militante possível, entre nós, de Anchieta Fernandes a J. Medeiros, de Dailor a Wlademir Dias-Pino. (...) E Falves Silva é um produtor, com os olhos voltados para o alcance (estético) da produtividade, seja em sua vertente formalista, seja em sua  vertente estrutural. (...) Falves Silva é um produtor, repitamos:  ele não “cria” poemas, o que seria cair no vício humanista da “criação” idealizada segundo padrões acadêmicos; ele produz  poemas, o que implica a materialização de linguagens que existem dentro de um contexto social determinado.  O poema, materialmente proposto, tem uma vigência histórica que é também cultural.”

MOACY CIRNE,
em A POESIA E O POEMA DO RIO GRANDE DO NORTE (Natal:  Fundação José Augusto, 1979, p. 33-36)




terça-feira, 2 de outubro de 2012

FERIADO DE 3 DE OUTUBRO É INSULTO A INDÍGENAS - Alípio de Sousa Filho

Causa espanto saber que a Assembleia Legislativa do Estado aprovou por unanimidade e a governadora sancionou lei criando o feriado estadual de 3 de outubro para culto público e oficial dos chamados mártires de Uruaçu e Cunhaú. A lei estadual 8.913, de 6 de dezembro de 2006, é um insulto aos nossos indígenas de ontem e de hoje, e um atentado aos princípios do Estado laico. Inconcebível que seja o próprio Estado a colaborar com a Igreja Católica nos seus intentos de criar beatos, santos, mártires, milagres etc. a partir de qualquer história forjada e narrada como se quer. O que se chama de massacre dos mártires de Uruaçu e Cunhaú (mártires católicos!, pois do outro lado estavam protestantes holandeses e indígenas) é fato ocorrido no século XVII, e não difere de outras situações que o território brasileiro conheceu, em todas as partes, no período colonial. No fundo, o que se visa exaltar é a fé católica que, nesse mesmo período histórico, foi responsável pela morte de milhões de indígenas. Os tapuias e potiguares que habitavam a região e que, ao lado de holandeses calvinistas, figuram na narrativa construída sobre o tal martírio, que agora se visa cultuar, faziam parte da grande civilização indígena aqui existente que, pela catequese cristã e predominantemente católica, viu ser dizimados três milhões de seus integrantes nos três primeiros séculos da colonização. Que cidadãos, isolados ou em grupos organizados, queiram praticar suas crenças, organizar e participar de romarias (a cavalo, em paus-de-arara, bicicletas, motos, carros ou a pé), que as igrejas, incluindo a dos católicos, queiram difundir suas crendices, incluindo inventar milagres e os santos milagreiros, que o façam no usufruto dos direitos que são os seus. Todavia, o Estado não pode ser cúmplice do absurdo que é tornar feriado um dia da semana para culto de uma narrativa que insulta os indígenas de ontem e de hoje. Os Poderes Legislativo e Executivo estaduais, com a criação do feriado de 3 de outubro, dão mostras que não praticam a laicidade exigível desses Poderes no âmbito da esfera pública e estatal e confirmam que, no Brasil, o Estado, longe de ser laico, permanece vergonhosamente submetido, pelas mãos de seus dirigentes, aos ditames e interesses de igrejas e religiões. Os interesses da Igreja Católica (ou de qualquer outra) não podem ser colocados acima do caráter universalista que o Estado está obrigado a preservar para permanecer como esfera autônoma, independente. Esta que é a única condição do Estado poder legitimamente representar a sociedade como um todo e agir pela sua emancipação social, livrando-a do domínio de crenças sem fundamentos que se tornam obstáculos aos seus avanços culturais, sociais. No Brasil, são inúmeros os exemplos de ações das igrejas, contrariando a implementação de medidas emancipatórias pelo Estado.

Multinacional capitalista, que enriquece com a mais-valia da fé alheia explorada, mas continuamente sedenta de criar santos e milagres para a conservação do seu domínio sobre uma população pobre e abandonada à sua própria miséria (emocional, cultural, econômica), a Igreja Católica não pode contar com a cumplicidade dos dirigentes do Estado para realizar seus intentos. O fato representa uma tomada de posição desses dirigentes em favor de um segmento da sociedade, e apenas de um de seus segmentos, ferindo o princípio da laicidade e da universalidade de valores a predominar e a ser preservado pelo Estado no âmbito das decisões político-públicas.

Se há algo a ser feito sobre o que se passou em 1645 é o Estado narrar a tragédia de nossos indígenas, vencidos pela violência, dividindo-se, em desesperadas estratégias, entre os colonizadores.

Alípio de Sousa Filho é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Medíocres e perigosos

O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
 Para ele, tudo o que é diferente tem potencial de destruição
Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um vencedor.
A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – e cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros cresceram em meios menos abastados – e bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não chegou aonde chegou – sozinho, frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou falidos, não importa: o reacionário clássico enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição. Por isso se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para tirar seus direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar familiares e ameaçar os seus (porque os seus nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e, portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
 O reacionário vive com medo. Mas não é inofensivo. Foto: Galeria de GorillaSushi/Flickr
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo – que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação, os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes (“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
 
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende o conceito de família. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por política. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia, são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas para condenar a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.

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