quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O ANALFABETO POLÍTICO


O Analfabeto Político
Bertolt Brecht
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Uma Fundação em Afundação, triste fim...volte a pé para Mossoró e descalço.




Por Abimael Silva
sebista e editor

A Fundação José Augusto, a mais importante instituição cultural do Rio Grande do Norte, entre as décadas de 1960 e 2000, parou no tempo e perdeu o sentido de existência. Se deixasse de existir hoje não faria a mínima falta à história cultural do Estado.

Há poucos anos a FJA fazia o seu dever de casa, promovendo a cultura do RN com um calendário verdadeiro, de fevereiro a dezembro. Hoje não faz absolutamente nada! Pelo contrário, anda desfazendo as coisas boas que existiam.

Acabou o Encontro de Cultura Popular, que acontecia no mês de agosto, com uma semana de intercâmbio entre o Estado e a cultura brasileira.

Acabou o Prêmio Literário Luís Carlos Guimarães, o único prêmio estadual de poesia e uma homenagem mais que justa a um dos maiores poetas do Rio Grande do Norte. Quem acaba com um prêmio literário merece o desprezo da cultura!

Acabou a Revista Preá, a mais importante e significativa publicação cultural do RN nos últimos cinquenta anos, que dava vez e voz ao artista do interior.

Depois de três anos sem sair da loca, a Preá voltou a circular com uma publicação de qualidade mais que duvidosa, feita por quem não é do ramo. No editorial, com direito à fotografia colorida, Crispiniano Neto detalha todos os fracassos da Fundação nos últimos três anos: a compra de uma impressora chinesa, por uma nota preta, que funcionou poucos dias e não tem assistência técnica. Não precisa ter mais de cinco neurônios para saber que chinês não entende de impressora de qualidade. Isso é coisa para alemão, inglês e americano.

Acabou a Cidade da Criança, o mais importante e conhecido espaço para o público infantojuvenil de Natal.

Acabou o plano editorial da Fundação José Augusto, um catálogo de 310 títulos e 47 anos, com muitos autores e publicações de importância nacional, como Luís da Câmara Cascudo, Zila Mamede, Jorge Fernandes, Auta de Souza e Oswaldo Lamartine de Faria.

Para ser mais exato, como Presidente da FJA, Crispiniano publicou um livro de sua autoria, intitulado Lula na Literatura de Cordel, com edição de capa dura.

Acabaram as Casas de Cultura. A de Santa Cruz do Inharé virou loja de produtos da Avon; na de Macau caiu o teto; a de Assu está em ruínas; a de Martins não abre há mais de um ano; e a de Apodi virou pensão de segunda. Esta é a radiografia de algumas Casas de Cultura do Rio Grande do Norte hoje.

Depois do insignificante desempenho de Crispiniano Neto à frente da Fundação José Augusto, um vergonhoso cabide de empregos, com 1155 profissionais, a grande maioria de competência duvidosa. A única saída é a sua extinção, como foi feito com o Bandern, em 1991.

Pelo desserviço prestado à cultura do Rio Grande do Norte, de 2007 a 2010, Crispiniano Neto deveria voltar para Mossoró a pé e descalço, para sentir na pele o mal que fez à cultura potiguar.

Mas isso ainda diz pouco!

domingo, 26 de setembro de 2010

Eleições Potiguares no velho Assu em tempos de grande rivalidade



Brigas, intrigas e tragédias..em forma de cordel mostra os fatos que fizeram da eleição em 1935 uma cidade em zona de guerra...prefeitos contra prefeitos, cangaceiros, etc...uma raridade resgatada pela coleção João Nicodemos de Lima.
Em Outubro o livro será lançado pelo Sebo Vermelho.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Um texto de Jarbas Martins sobre Ferreira Gullar


O estilo de Machado de Assis está, há muito, canonizado, o poema/processo, cansado de guerra, pregou em épocas heróicas o contra-estilo, o canonizadíssimo Millor Fernandes se diz um escritor sem estilo.Ulisses desconfiadíssimo, descendentes de índios esquivos e taciturnos, tenho cá minhas prevenções contra certos estilos. O caviloso estilo, por exemplo, de mistificadores como Arnaldo Jabor, que escreveu prólogos até para os teóricos (pasmem) do poema/processo.Lábia muita.Ainda bem que não se meteu a escrever poesia, que só exige de quem faz uma coisa: a autenticidade, o despojamento que a liberta de tudo o que a mascara.O estilo pode ser mentiroso como uma logomarca, a poesia não. Existe alguém mais verdadeiro que Homero? Grande documentarista, tudo o que registrou espelha a verdade: os olhos bovinos de Atena, a coifa de Circe, os seus personagens capazes de grandes gestos, ou envolvidos em mesquinharias e fofocas, próprias dos cidadãos de todos os tempos, inclusive da sua época. Levando em conta esse critério (o que é o verdadeiro em poesia) é que ando fazendo uma reavaliação na obra de certos poetas. Que, mudando de tom, dicção, modos falaciosos de sonhar, pensar e agir, afetam a sua arte. E tentam passar como poesia a mentira. Poetas que foram tentados pelas facilidades. O som de azinhavre das sereias, a arrogância do poder, o oportunismo. O poeta Ferreira Gullar, que recentemente ganhou o Prêmio Camões, é um deles. Quando escreveu o Poema Sujo eu o julguei tão verdadeiro, que lhe dediquei um poema. Não me arrependi. O meu poema expressava uma verdade, e o Poema Sujo, além da verdade, era clarividente: o Maranhão, terra de Gullar, estava ali com toda a sua tragédia. Infelizmente, a obra do maranhense revela atualmente o mau poeta que nele existe. É só olhar para o seu estilo que cheira a oportunismos, convencionalismos e outras falcatruas.

ENFIM...PRIMAVERA

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Aí vocês, burocratinhas de merda da FJA, vêm com essa conversa de que precisam de garantias de que os grupos vão continuar?



Pedimos licença aos jornalistas Tácito Costa e Alex de Souza para transcrever artigo publicado no Blog Substantivo Plural, textos como esse devem ter a maior reverberação possível.

PORRA, CRISPINIANO - Alex de Souza

Sinceramente, sei não. Tem certas coisas que é melhor a gente nem ficar sabendo. Estive ontem participando do debate sobre uma política cultural para a Grande Natal (graaaaande Natal!) no IFRN, uma iniciativa do grupo Locau, essa mobilização bacana promovida pelo meu velho bróder Esso Alencar.

Até por ter acompanhado intensamente quando trabalhei na cobertura jornalística da cultura, sempre fui muito cético sobre a capacidade de mobilização da classe artística potiguar. Ainda assim, eventos como o de ontem ainda são capazes de comover (mas sem beicinho e mimimi, por favor) pois mostram que, por mais que pisem na nossa cabeça, somos capazes de pensar em dias melhores.

Pode-se até dizer que tivemos épocas piores na história, afinal de contas a Capitania das Artes tem aí mais de 20 anos e a Fundação José Augusto bem dizer o dobro disso. Mas acredito que a situação atual é mais exasperadora porque nunca tivemos tanta oportunidade e meios disponíveis para realmente fazer as coisas andarem na cultura e ainda assim tudo está parado, estagnado, criando lodo.

É justamente pelo fato de nossos artistas estarem mais conscientes sobre seu papel social – e atentos e críticos – que o desprezo e o desrespeito vindos daqueles que deveriam ser nossos representantes junto ao poder público se torna mais absurdo e revoltante.

Sobre a Funcarte, mais de uma vez encontrei com artistas que reclamaram da impossibilidade de conseguir uma audiência com o presidente, ou mesmo de encontrá-lo por lá. Não se encaminha propostas, nem ao menos se passa o pires. Alguns produtores me confidenciaram que evitam pedir patrocínios diretos ao órgão, pois a iminência do calote é real. (Anderson Foca que o diga.) Preferem que a fundação entre com apoios em serviços já licitados, como estrutura de palco e som. Ainda assim, no último sábado a Imunizadora Potiguar se recusou a entregar banheiros químicos no MPBeco. Está há seis meses sem receber pagamento da prefeitura. Nem se caga, nem anda.

No Estado, a Fundação José Augusto alcançou o status de trem (da alegria) fantasma. Há mais de ano que nem para figuração serve. Agora, o que fiquei sabendo ontem no debate ultrapassa os limites da ignomínia.

A FJA ameaçou desclassificar dois dos 25 grupos contemplados pelo edital de cultura popular Cornélio Campina. A premiação é de ridículos R$ 6 mil. Motivo? Dois dos mestres que estavam à frente de seus grupos faleceram. A entidade quer garantias de que os grupos terão continuidade sem eles.

Um deles foi Mestre Lucas (foto), dos Congos de Calçola de São Gonçalo do Amarante. Inclusive, quem falou sobre essa situação foi o neto dele, o arte-educador Gláucio Câmara. O outro grupo é o Boi de reis de Mestre Elpídio, de Parnamirim, com quem fiz uma reportagem muito divertida quando estava no Nominuto. Não consegui falar com o fotógrafo Lenilton Lima, que dá suporte ao grupo, para confirmar se vieram com esse papo para ele também.

O certo é que seguro firme para não engulhar enquanto digito esse texto. Vejam bem: o resultado deste edital de cultura popular foi divulgado em 18 de setembro de 2009. Há um ano e três dias. São trezentos e sessenta e oito dias que 25 grupos folclóricos esperam por uma merreca de R$ 6 mil para fazer o quê? Uma muda de roupa? Reformar um adereço? Trocar uns espelhinhos? Comprar um ou dois instrumentos?

Vinte e cinco grupos folclóricos são, bote aí no barato, uns 300 artistas populares, vindos dos mais baixos estratos sociais, que conseguiram resistir ao assédio do axé e do forró eletrônico para manterem com esforço e orgulho expressões populares de suas localidades, expressões que lhe garantem uma identidade.

São pessoas desprezadas pelo poder público em suas diferentes esferas, que são acostumadas a se apresentarem em troca de uma carona num ônibus escolar e R$ 300, porque o desrespeito é moeda corrente e afinal qualquer coisa que vier é melhor do que nada. Cansei de entrevistar vários deles que se submetem a esse tipo de situação.

Aí, esses caras, Mestre Lucas e Mestre Elpídio, morreram esperando essa porra desse prêmio. Seis mil reais. Morreram, Crispiniano, enquanto você tirava fotos com Lula, decerto para pendurá-las ao lado daquelas suas com Figueiredo.

Aí vocês, burocratinhas de merda da FJA, vêm com essa conversa de que precisam de garantias de que os grupos vão continuar? Além de incompetentes, são burros. Devem desconhecer o papel do coletivo e da memória nessas manifestações. Uma coisa é Dona Militana, que não teve discípulas, morrer. Uma dança popular não funciona assim.

Já sei, inclusive, como é essa história. Na verdade, esses dois grupos vão receber sim essa mixaria. O problema, não é, seus bostinhas?, é que vocês não tem essa grana na mão. Precisam de um tempo enquanto alisam as bolas do governador para que alguém na Casa Civil libere o troco. Então inventaram esse papo furado para atrasar o andamento dos processos.

E, sim, claro: vários destes grupos tradicionais desaparecem com o passar dos anos, asfixiados por tanta indiferença e inanição. Mas esse argumento da Fundação José Augusto é torpe e vil. Mancha a reputação e a biografia de cada um dos envolvidos na administração da instituição. Vocês não valem um espelhinho do uniforme desses mestres.

domingo, 19 de setembro de 2010

O VOÔ DE JANAINA



É COM PROFUNDO PESAR QUE COMUNICAMOS A PARTIDA PREMATURA DA AMIGA E PRODUTORA CULTURAL JANAINA MEDEIROS OCORRIDA HOJE 19/O9/2010, ESPERAMOS QUE ELA POSSA ESTAR EM PAZ E NUM BOM LUGAR, A MÚSICA POTIGUAR ESTA DE LUTO. JANA ERA ALÉM DE EXCELENTE FIGURA HUMANA, ERA UMA BATALHADORA INCANSÁVEL POR DIAS MELHORES NA NOSSA CULTURA. NOSSA SOLIDARIEDADE A FAMILIA, EM ESPECIAL AO AMIGO MÚSICO PAULO SOUTO.

PROJETO DE PREFÁCIO

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

Mario Quintana

sábado, 4 de setembro de 2010

A fantasia autobiográfica de John Fante


Precursor de Charles Bukowski na literatura underground norte-americana, a obra de John Fante é redescoberta no Brasil.

Rafael Rodrigues

Nascido em 1909, John Fante teve como contemporâneos alguns dos maiores escritores dos Estados Unidos, como Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner e Henry Miller. O primeiro romance de Fante a ser publicado foi Espere a primavera, Bandini, lançado em 1938. Enquanto John Fante tentava se tornar um escritor bem-sucedido, todos os autores citados já desfrutavam de um prestígio enorme, não apenas nos Estados Unidos, mas também em outros países. Seria como se hoje um novo autor brasileiro disputasse espaço na mídia e nas editoras com Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e Nelson Rodrigues, se eles estivessem vivos.
Antes da publicação de Espere a primavera, Bandini, várias editoras recusaram os originais de O caminho de Los Angeles, primeiro romance escrito por Fante, que só veio a público após a morte do autor. O terceiro livro do escritor, e o segundo a ser publicado, foi Pergunte ao pó, que teve boa recepção da crítica, mas não o suficiente para garantir que John pudesse viver apenas de suas obras. Depois deles vieram os livros de contos Dago Red e The Little Brown Brothers. O primeiro foi publicado no Brasil pela Editora Brasiliense na década de 1980 sob o título de O vinho da juventude e reeditado este ano pela José Olympio, com alguns contos a mais. Em 1940, a revista time classificou Dago Red como “talvez o melhor livro de contos do ano”. No entanto, o livro seguinte não obteve a mesma recepção e Fante acabou por seguir a carreira de roteirista de cinema.

É quase impossível falar sobre John Fante sem citar Charles Bukowski. O “velho safado” foi o maior responsável pelo retorno dos livros de Fante às livrarias norte-americanas — e, consequentemente, às de diversos outros países — na década de 1980. Bukowski enviou uma cópia de Pergunte ao pó, livro mais conhecido de Fante, para seu editor da Black Sparrow, avisando que só continuaria publicando suas obras pela editora caso a empresa relançasse o romance. Dito e feito: a Black Sparrow não relançou apenas Pergunte ao pó, mas também todas as obras de Fante que estavam fora de catálogo, além de publicar escritos inéditos encontrados somente após a morte do autor.

Um rapaz e seu destino
A principal característica literária de John Fante é o estilo rápido, objetivo e nada rebuscado. Mas há também uma característica presente em todas as obras do autor: o tom confessional, entregue pelas experiências pessoais presentes em todas as narrativas.

Em O caminho de Los Angeles, Arturo Bandini, principal alterego de Fante, nos é apresentado no início da vida adulta. Ele mora com a mãe e a irmã e precisa ajudar nas despesas da casa, já que seu pai morreu. Narrado em primeira pessoa, o livro se inicia com um relato de Bandini sobre seus últimos empregos, dos quais se demitiu ou foi rapidamente demitido devido à sua insatisfação com serviços que, na opinião do rapaz, estavam aquém de sua capacidade intelectual. Arturo está sempre às voltas com livros de filosofia, ainda que não entenda muito bem o que eles dizem, e se considera um gênio, superior a todos, ponto no qual é claramente influenciado por Nietzsche, autor citado várias vezes ao longo do romance.

"HÁ UMA CARACTERÍSTICA PRESENTE EM TODAS AS OBRAS DE FANTE:
O TOM CONFESSIONAL, ENTREGUE PELAS EXPERIÊNCIAS
PESSOAIS PRESENTES EM TODAS AS NARRATIVAS"

O comportamento exagerado de Bandini é o que torna o livro engraçado e, ao mesmo tempo, melancólico. Um dos maiores trunfos de John Fante, aliás, é este: aliar comédia e tragédia de maneira peculiar, algo incomum em literatura de ficção que se pretende séria. O risco de se cair no pastiche é alto, e poucos são os autores que conseguem encontrar um ponto de equilíbrio. Fante consegue. No romance, Arturo e sua irmã vivem às turras. Às vezes por motivos banais, mas quase sempre pela vontade que Mona tem de ser freira. Durante as brigas, Bandini se diz ateu e critica ferozmente a fé católica da irmã, embora ele mesmo seja um homem de muita fé. Arturo é, na verdade, um atormentado, pois tem ciência de seus pecados, mas não consegue controlar os próprios ímpetos.A fé é um dos temas centrais da obra de John Fante. Em Espere a primavera, Bandini, isso fica ainda mais claro. Nesse livro, encontramos um jovem Arturo com quatorze anos de idade e aqui ele tem mais dois irmãos, além da irmã. Aqui fica claro que Fante não teve a intenção de seguir um roteiro rigoroso ao narrar a saga de Arturo Bandini e que ele adaptou os personagens àquilo que queria contar em seus livros. Para que o protagonista sofra mais, para que ele tenha nos ombros a responsabilidade de ajudar no sustento de sua casa, de sua mãe e de sua irmã, Fante “mata” o pai de Bandini. Para que o livro possa ter alguma ternura, mesmo com todo o sofrimento por que passa a família, Fante dá irmãos mais novos ao protagonista.

Em Espere a primavera, Bandini, Svevo Bandini, pai de Arturo, é um pedreiro que é impedido de conseguir trabalho pela neve do inverno. E, por isso, a família passa dificuldades. A dívida no armazém cresce a cada dia, as roupas dos garotos estão gastas e não há dinheiro para comprar novas. Svevo, que normalmente já é um homem rude, fica cada vez mais nervoso e distante de sua família. Além disso, Arturo tem seus próprios problemas: indisciplinado que é, quase sempre está metido em alguma confusão; tem vergonha de ser descendente de italianos, por conta do preconceito que há contra imigrantes; por fim, tem seus conflitos religiosos, sempre pensando se suas ações constituem pecados mortais ou pecados veniais. A situação fica ainda mais complicada quando ele e um de seus irmãos veem Svevo, que a essa altura não aparecia em casa há dias, abraçado com uma mulher. De todos os romances de Fante publicados no Brasil, Espere a primavera, Bandini é mais completo em termos literários, porque lida com uma gama maior de temas e sentimentos. Não que os outros livros não o façam, mas a atmosfera de Espere a primavera... é diferente, é tudo muito mais doído, mais verdadeiro. É também um livro um pouco mais sério, se comparado às outras obras protagonizadas por Arturo Bandini.

Sonhos de Buker Hill
Neste livro, Bandini está em Los Angeles, mora sozinho e tem sérios problemas financeiros. Eis o primeiro parágrafo da obra: “Uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel. Ou eu pagava ou eu saía: era o que dizia o bilhete, o bilhete que a senhoria havia colocado debaixo da minha porta. Um grande problema, que merecia atenção aguda. Eu o resolvi apagando a luz e indo para a cama”. Arturo não come bem, não consegue escrever e não pensa em conseguir um emprego. Para ele, só existe uma possibilidade: viver de literatura. O mentor de Bandini é J.C. Hackmuth, o editor que publicou seu primeiro — e até então único — conto. Sem ideias para ficção, Arturo escreve uma longa carta para Hackmuth, contando todos os seus problemas, medos e anseios. Pouco tempo depois recebe uma curta resposta, avisando que sua carta seria publicada como um conto; junto com o bilhete, um cheque, que pagaria a dívida no hotel, além de comida, roupas novas e outros gastos.

Paralela à história do aspirante a escritor está a relação tempestuosa que Bandini tem com Camilla, uma garçonete mexicana com quem ele tem um caso. Como dito antes, Arturo tem uma espécie de trauma por ser descendente de italianos e não admite sua paixão por uma mexicana. Isso faz com que os dois tenham brigas constantes, no café onde Camilla trabalha. Apesar das discussões e ofensas, eles se aproximam, mas não deixam de ferir um ao outro com palavras. A relação entre Bandini e Camilla é certamente uma das mais controversas, tristes e marcantes da literatura moderna. Ele a ama e ela deseja amá-lo, mas as provocações e farpas trocadas não permitem que o amor prevaleça. Sonhos de Bunker Hill, segundo Roberto Muggiati, tradutor dos livros de Fante publicados pela José Olympio, “é, na verdade, um remake de ‘Pergunte ao pó’”. Há diferenças, é claro, como o fato de Bandini começar o livro trabalhando como garçom e pouco tempo depois se tornar roteirista de filmes, mas a essência de Pergunte ao pó está lá, o Bandini arrogante, impetuoso e esbanjador. Apesar de parecer mais do mesmo, Sonhos de Bunker Hill é um bom livro.
Em 1933 foi um ano ruim, Fante dá a Dominic Molise, o protagonista, um outro talento: o de ser um excelente arremessador de beisebol, cuja ambição é se tornar jogador profissional de um grande time. A família do protagonista é basicamente a mesma do Bandini de Espere a primavera..., e também sofre por culpa do inverno. Dominic tem 17 anos, está terminando o colegial e seu pai quer que o filho comece a trabalhar como pedreiro assim que terminar os estudos. Isso gerará conflitos e Dom tentará de todas as formas evitar esse destino.

Mas talvez o melhor de todos os livros de John Fante, entre os citados até aqui, seja O vinho da juventude, que ganhou uma nova edição no Brasil este ano. Várias de suas histórias remetem a cenas já vistas de outras formas nos romances do autor, com o diferencial de que os contos têm uma qualidade bem superior. Algumas delas são obras-primas, como “Um sequestro na família”, “Lar, doce lar” e “Um de nós”.

Apesar de poderem ser lidas como histórias independentes, os contos da primeira parte do livro se entrelaçam e formam um quase-romance, ou um esboço de memórias. O alter ego da vez leva o nome de Jimmy Toscana, e sua família se parece bastante, mais uma vez, com a família de Arturo Bandini em Espere a primavera...

Charles Bukowski, no prefácio que escreveu para Pergunte ao pó, em 1979, e que passou a acompanhar as edições do livro a partir de então, diz que Fante era “um homem que não tinha medo da emoção”. Seus livros são tão carregados de paixão que é inútil tentar não se emocionar com eles. Se existe um autor cuja obra pode levar o leitor às gargalhadas e às lágrimas num passar de página, ele se chama John Fante.

Rafael Rodrigues é editor-assistente e colunista do site Digestivo Cultural, além de colaborador de outros veículos. Mantém o blog Entretantos (http://bravonline.abril.com.br/blogs/entretantos).
Fonte: http://literatura.uol.com.br

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Um Processo de Anchieta Fernandes


ANCHIETA FERNANDES
“Olho” (versão 1967)

Processo é uma coisa em construção. Se a poesia tradicional acha que um poema está concluído, possui um autor, que não aceita que ninguém o altere, o poema/processo , por sua vez, tem a tese do poema em processo. Só tem valor quando seu processo é trabalhado por diversos autores, com novas versões, partindo do gráfico para o objetual, para o cinematográfico, até esgotar toda aquela proposta inicial do poema. Eu, Dailor e Marcos Silva sugerimos que o movimento fosse chamado de “programações/processo”, mas a sugestão não foi aceita pelos do sul e não pegou nacionalmente. Achávamos que, para radicalizar totalmente contra a literatura, nossas produções não deveriam ser chamadas de poemas.”

(José de Anchieta Fernandes Pimenta, nascido em Caraúba, Rio Grande do Norte, em 1939. É autor da obra Por uma vanguarda Nordestina, 1976).

Um Poema de Zila Mamede




ONDE

Entre a ânsia
e a distância
onde me ocultar?

Entre o medo
e o multiapego
onde me atirar?

Entre a querência
e a clarausência
onde me morrer?

Entre a razão
e tal paixão
onde me cumprir?

Um poema processo de Moacy Cirne


Um Soneto de Jarbas Martins



Soneto

onde se trata da matéria do canto e
de concerto (enguiçado) no ar


É de surpresa real, e não de invento,
que meu canto se nutre. É de nonada:
gaivota em pleno vôo e mar e vento —
viva escritura, sob o azul, lavrada.

Ante o que é breve e passa, pouco intento:
expurgo a vã palavra. (Nada, nada
me desconcerta mais do que o evento
de vê-la, nesta folha, restaurada).

Se me ocorre o poema, apenas tomo
o tempo em que ele paira, irresoluto,
entre a consumação e o desacerto.

Mas se me esvai, deixo-o de lado como
um canto que se perde, sem reduto,
enguiçado, no ar, o seu concerto.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Um poema de Nina Rizzi



dies irae
nina rizzi

deixa abertos os diários, as gavetas de dias nenhum
que é pra encontrar mais que a inesperada saliva:

me devolver os cabelos em fogaréu, os cabelos
que me ficam na garganta feito modas e fantasias;

pra me ter todos os poemas, amanhãs.

(e barro)
*