quinta-feira, 9 de julho de 2009

O PLANTADOR DE LETRAS


Abimael Silva lançou em sua editora Sebo Vermelho 266 livros nos últimos 19 anos. E sonha em lançar mais.

09/07/2009 - Tribuna do Norte

Marcílio Amorim - Repórter

Sufocado entre comércio, ambulantes e bancos - no principal corredor do Centro da Cidade - um relutante visionário continua a brigar pelo seu sonho. Um sonho que vem rendendo frutos em milhares de páginas e milhões de letras. Já se passaram 25 anos que Abimael Silva desistiu da carreira de bancário para trabalhar com livros usados. Assim nascia o Sebo Vermelho, considerado hoje um fenômeno editorial potiguar e brasileiro.

Para isso, fez – talvez – o maior sacrifício da sua vida: disponibilizou todos os 600 títulos de sua biblioteca particular para iniciar o negócio. Nos idos de 85 a inflação e a situação econômica do país impossibilitavam um caminho diferente.

“Nasci no interior e sempre trabalhei. Já vendi bala na praia e na rua; já acordei às cinco da manhã pra trabalhar numa padaria e por fim virei bancário. Mas eu tinha uma vontade danada de trabalhar com livros. Acabei largando tudo e investindo no sebo”, relembra Abimael que até hoje tenta recuperar alguns títulos vendidos nessa época.

Hoje o Sebo Vermelho é uma das principais editoras do nosso Estado, tendo inclusive reconhecimento nacional.

Abimael Silva edita um novo livro a cada dez dias e passará e editar um por semana, com lançamentos previstos para todos os sábados, no mesmo local de faixada encarnada onde continua vendendo seus livros usados.

Lembrando que, os méritos de Abimael são totalmente próprios, o editor e sebista não conta com apoio ou patrocínio algum de nenhum órgão público, privado ou Leis de Incentivo à cultura. “Utilizo o lucro de um livro pra editar o outro. Quando estou mais ‘liso’ edito um livro mais fininho e vou me virando”

O primeiro título editado pelo Sebo Vermelho foi “Écran Natalense – Capítulo da História do Cinema de Natal” (Ed. Sebo Vermelho, 1990), do escritor Anchieta Fernandes. “Editei o primeiro livro com muito sacrifício por ser um livro muito importante, que eu queria ver pronto. Me empolguei. O livro foi adotado por universidades e outras instituições, logo já estava editando o segundo”, conta.

Quase vinte anos depois, a Sebo Vermelho já contabiliza 266 títulos lançados, além de continuar sendo o único sebo do Brasil que edita livros. “Quase todos falando sobre o Rio Grande do Norte”, orgulha-se.

Embora tenha tiragens muitas vezes tímidas (entre 50 e 500 exemplares), a editora não propaga só novos autores e obras inéditas. A Sebo Vermelho editora também faz um importante trabalho de resgate de nossa literatura através reedições de livros importantes. “Prefiro reeditar”, confessa Abimael.

Inclusive, o lançamento desta semana é exatamente a reedição de “À Memória de Auta de Souza – Homenagem do Instituto Literário 2 de Julho”, uma obra rara da poetisa Auta de Souza, lançada originalmente em 1901, um mês após a sua morte.

O lançamento acontece dentro do projeto “Sempre Sábado” (título em homenagem ao poema homônimo de José Bezerra Gomes). O projeto é mais uma iniciativa de Abimael Silva, dessa vez em busca da revitalização do Centro da cidade. “A manhã de sábado no Centro da cidade está cada vez mais morna, mais deserta. Quero fazer com que as pessoas circulem por aqui com alguma pretensão literária”. Na sequência (dia 18/07) o livro “Simplesmente Josefa”, da professora mossoroense Maria José Pinheiro será o próximo lançamento. O projeto “Sempre Sábado” acontece entre 10hs e 12hs, no Sebo Vermelho (Av. Rio Branco, 705 – Centro).

Livrarias, leitores e sonhos

No final dos anos 90 Natal vivenciou uma retomada do fôlego das livrarias. Franquias chegaram até Natal. O que já existia passou a crescer, veio a Bienal e empresários locais também apostaram nas letras. Não faltavam opções.

Os espaços eram compostos, com direito a café, lan house, espaço infantil, saraus poéticos, projetos, exposições e muita cultura sendo apresentada em shows, pequenos espetáculos e debates. Na época, o termo BookeStore era novidade, era chique e logo, logo fez a cabeça de boa parte da sociedade potiguar, que adora tudo que está na moda ou tem cheiro de novo.

Como uma febre, tudo passou. Hoje presenciamos o encolhimento e o desaparecimento de muitos - pra não dizer da maioria – desses espaços.

Na opinião de Abimael, o atestado de óbito tem como a causa-morte o suicídio. “Eu acho que as livrarias de Natal sumiram ou encolheram por não valorizarem as letras produzidas em nosso Estado e por não investir na relação com os escritores locais. É um pacto de escravidão. Para lançar um livro em uma livraria temos que bancar a edição, desenrolar a mídia, imprimir e distribuir os convites e o material gráfico e providenciar até os salgadinhos. No final, só quem ganha é a livraria”, afirma o editor.

Para ele, outro fator capital, é a questão do pouco envolvimento dos empresários com a vida cultural da cidade. “Você não encontra nenhum dono de livraria em eventos culturais. Acho isso uma omissão. Eles não criam uma relação e não conhecem a literatura produzida aqui. Não tem que dá cabimento só a quem é de fora. É preciso respeitar os autores potiguares”, disse em tom de protesto.

A sua relação com as letras não é financeira. Segundo Abimael, ainda não conseguiu ganhar dinheiro com os livros, faz tudo por amor. “No início eu tinha uma ilusão danada que ia ganhar dinheiro fazendo livro. Descobri que não no 32º lançamento da Editora. Investi alto num livro que só vendeu 70 exemplares. O valor arrecadado não cobria nem metade dos custos de produção. Na época, eu estava com vontade de construir um muro na minha casa em Pium e achei que faria isso com o lucro do livro. Até hoje minha casa está sem muro!”.

O amor pelo livro também está motivando Abimael a sonhar. Até 2010 ele pretendo montar a sua própria livraria, para vender apenas títulos de autores potiguares. “Quem sabe depois dessa matéria eu realizo?!”Alguém duvida que ele consiga?

Mystico

Vai cantora do Horto, nympha da poesia entoar os teus hymnos janeto ao Senhor
Vai alma de sentimentos puros, dormir o sono eterno.
Dormes...mas o teu nome não dormirá: será sempre chamado e gravado nas páginas laureas da história (…)

Poema escrito por Ferreira Campos em 14 de Março de 1901. (extraído do livro “À Memória de Auta de Souza)

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