terça-feira, 30 de agosto de 2011

Estão acabando com o maior Beco do mundo. Leiam o texto emocionado do jornalista Sérgio Vilar e a Crônica do saudoso Berilo





E Nazaré me contava que Carlos Eduardo, mesmo quando prefeito, visitava o Beco da Lama. Naquela época, o apurado do bar era 50% maior. Isso porque ela colocava cadeiras e mesas em uma calçada de pouco movimento, de boemia tradicional. Nunca ninguém reclamou. Era local disputado pela melhor ventilação. Hoje, todo mundo bebe e come entocado no bar, com medo da fiscalização.

Peço desculpa ao leitor se não explicitei quem é Nazaré. Ela dá nome ao bar mais frequentado do Beco da Lama. É cumadre de Neide, do Bar da Meladinha, fechado na última quinta-feira pela insensatez municipal. O argumento jurídico-administrativo-burocrático-idiota é de que falta licença para funcionamento. Como se a boemia precisasse pedir licença para ancorar sua liberdade.

Por várias vezes elogiei a iniciativa, a credibilidade e o trabalho do produtor Marcelo Veni por aqui. Achei o máximo um cara conseguir produzir shows quase diários em um local morto e que clama – ou reclama – por segurança e movimento. Mas ele conseguiu. E sem o apoio do poder público. Talvez por isso vinha dando certo, trazendo gente ao abandonado Beco.

Mas o município precisa dar o ar da graça. Micarla precisa ser notícia, sempre. E resolve atrapalhar. Fechou o bar. Proibiu o evento. “Ora, se nós não conseguimos fazer um São João de alguns dias e pagar os cachês dos artistas, vocês vão fazer um mês de shows e sair impunes?”. Não pode. E o Centro Histórico, agora, tem mais essa para os causos de mesa de bar; entrou para os anais do Beco.

Hoje, o nome de Micarla é alardeado aos quatro ventos do Beco. O Beco, que não se engane pelo tamanho e provincianismo de seus frequentadores. Aquele Beco é a maior avenida do Brasil, quiça, do mundo. Lá moram as bocas malditas da cidade e a liberdade universal. E pergunto, então, ao amigo leitor: há coisa maior do que isso, cumpade?



BECO DA LAMA
Sobre a foto de muitos anos, amarelecida, desvendo passos e lembranças. O velho Beco da Lama, que eu também poderia cantar num dístico cheio de elipses mentais. A foto tem dez anos. Eu passava ali, repórter de um jornal. Amigos simples descobriam a cabeça, tirando o chapéu. Invariavelmente, meus amigos do Beco usavam chapéu. Chapéu de feltro, chapéu de pano, chapéu de palha, como havia chapéu para ser tirado à passagem do pobre repórter.
No bolso, pouco dinheiro. Mas havia riso na alma. Contava as notas e via que dava para comer um bife de fígado no “Restaurante Pérola”, onde comi os melhores bifes de fígado de toda a minha vida. Eram espessos, generosos, sangrentos e acebolados. E o garçom caprichava comigo, de quebra, uma enorme cebola extra deitada em um prato e dois vidros de pimenta: um de molho inglês, outro de malagueta. (Agora, lembro que, quando eu era menino, ouvia lá em casa os mais velhos chamarem o molho inglês de molho vegetal, e eu fiquei com uma curiosidade incrível para conhecer o mineral e o animal, até hoje...)
No Beco, encontrava Seu Pedro, o tanoeiro, mestre na arte de fazer bicas. Gordo, usava umas camisas enormes que pareciam verdadeiras bandeiras a envolver-lhe o corpo. Quando me via, abria o rosto num riso como sua alma e eu sabia que era hora de tomarmos uma meladinha no boteco de Nasi. Mestre Nasi, descendente de árabe, narigão a despencar-se sobre o rosto, era o dono das melhores meladinhas do Beco. Senão da cidade inteira. Caninha, mel de abelha e dois pingos de limão. Havia sempre para tira-gosto um caldo de feijão de alegrar os corações mais duros, ou uns miúdos de galinha que eram a graça da casa.
Até o mestre Nasi mudou-se do Beco. Esse Beco que, nas quebradas da noite, ficava soturno como uma alma penada, três ou quatro lâmpadas, soltas aqui ou ali, a iluminar a sua solidão. Era a noite dos bêbados trôpegos e das mulheres errantes. Na foto de 1968, o poste que não existe mais, com o velho abajur de ágata a guardar uma lâmpada cheia de enigmas. E parece que ouço o vento, solitário vento, correndo por ali, para desfazer-se num sopro só, lá adiante, na Rua Ulisses Caldas. Beco da Lama, nunca te louvaram, te louvo agora na lembrança que essa velha foto desvenda.
Berilo Wanderlei

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um disco para dias nublados


É difícil não associar o trabalho de Cícero à sua ex-banda, a Alice. Até porque quem escutou o Anteluz e o histórico Ruído, conhece bem aquela voz sofrida que se sobrepunha as 3 guitarras que a Alice se desafiava a criar e reger. Porém, o hiato sonoro entre Ruído (2007) e Canções de Apartamento, seu primeiro disco solo, cultivou certa curiosidade sobre qual destino se focaria o talento de Cícero Lins.

Ao cortar seu sobrenome, Cícero também lapidou os ruídos de guitarras e passou a andar mais solto, acompanhado apenas de seu violão e utilizando do suporte de Paulo Marinho (bateria) e Bruno Schulz (acordeon/piano/coro), para 3 anos após o fim da Alice e dezenas de discotecagens na noite carioca depois, lançar suas canções de apartamento ao mundo e novamente se sentir na correria de uma banda independente e sofrer para saber a opinião das pessoas e da imprensa sobre seu novo filho.

Climático, o disco é feito para se ouvir com atenção, deixando ecoar no ouvido e virar docemente a trilha sonora do seu dia. É brilhante. Uma viagem ao interior de uma mente que parece expressar-se perfeitamente em letras sentimentais, melodias densas e vocal tristonho. Por vezes, soa como as cantigas melosas de Milton Nascimento, a sensibilidade triste de Rodrigo Amarante e até como a pseudo-rockeiragem de Caetano Veloso. Ao mesmo tempo, você sente pulsar aquele timbre, passagem ou composição que a Alice usou para conquistar fãs até hoje.
Ouvindo o disco, você sente que está dentro de um apartamento, onde a bateria ecoa e a voz sobressai de maneira independente da música. Em “Cecília e os Balões”, o tracejado do violão, o barulho de fundo e pequenos detalhes deixam a música mais real, como se Cícero tocasse ao seu lado e o convidasse para dividir os vocais e suas angústias. “João e o Pé de feijão” carrega uma surpreendente e explícita semelhança com “O Último Dia”, de Paulinho Moska, como se fosse uma versão ainda mais sofrida e experimental daquela música escrita para uma série global.

A abertura do disco, “Tempo de Pipa”, é talvez a canção mais perseverante e a que menos se encaixa com a tristeza incrustada no restante do álbum, mesmo assim é maravilhosa. Talvez, a melhor junto com “Ensaio Sobre Ela”. Canção com um acordeon doce em companhia de um violão bossa-nova, um dedilhado simples na guitarra e bateria baseada num samba de fim de tarde. Das letras, simples palavras que usadas com certo sentimento, traduziram a beleza e por vezes a ironia que Cícero quer mostrar. “Açúcar ou Adoçante” é, junto com seu nome, a provável melhor amostra desse denso repertório de palavras tristonhas e realísticas. “Laia Laia” e “Ponto Cego” sepultam a sua incerteza sobre a beleza de Canções de Apartamento.

Por vezes o silêncio faz bem: aguça a curiosidade e surpreende na volta. Utilizando desses simples pontos é que Cícero compôs a nova trilha sonora dos dias nublados, o som da dúvida em um relacionamento, o ruído e o silêncio do seu apartamento e as canções para voltar para casa. É inverno. Sinta-se completo. Sinta-se entendido.


terça-feira, 16 de agosto de 2011

A REEDIÇÃO DE UM LIVRO HISTÓRICO



Em janeiro passado, com alguns amigos, revendo a Bahia, suas livrarias e sebos, tomei conhecimento da reedição desta Descrição de Uma Viagem a Canudos, de Alvim Martins Horcades, feita em parceria entre a Universidade Federal da Bahia e Governo do Estado, em 1996, nas comemorações do cinquentenário da UFBA.

Descrição de Uma Viagem a Canudos foi publicado em 1899, dois anos após a guerra e três anos antes de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em 1902. É o diário de um estudante de Farmácia, da Faculdade de Medicina da Bahia, que passou três meses em Canudos, cuidando dos combatentes feridos. De todas as publicações sobre o massacre de Canudos, é o mais sincero depoimento que li sobre o assunto.

Alvim Martins Horcades fez parte dos 25 estudantes de Medicina que a Bahia mandou para o palco da guerra; presenciou todos os horrores e fez o que seria hoje a autópsia no cadáver de Antônio Conselheiro.

Nove dias de Serrinha, Queimadas, Alagoinhas, Monte Santo e Canudos, dormindo e descansando à sombra dos umbuzeiros. Ao chegar em Monte Santo, vinte léguas de Canudos, Martins Horcades encontrou 600 soldados feridos, dependendo do atendimento de dois médicos.

Alvim Martins Horcades, baiano de Porto Seguro, tinha 27 anos quando esteve em Canudos, coordenou o Hospital do Sangue e escreveu Descrição de Uma Viagem a Canudos. Relata que morriam, diariamente, de 10 a 15 combatentes, que “às 12 horas do dia 6 de setembro ruíra uma das torres da Igreja Nova e às 6 da tarde do mesmo dia a outra perdera a bela conformação e já era escombro”.

Distante 20 léguas da Vila de Monte Santo, 34 de Queimadas e 90 de Salvador, Canudos tinha 5.200 casas em 1º de outubro de 1897, quando 5.871 combatentes praticaram o mais sanguinolento combate travado no solo brasileiro. Foi o dia em que Canudos caiu, com a degola dos últimos sobreviventes.

Dos 25 generosos e valentes expedicionários da Faculdade de Medicina, 16 eram da Bahia, 5 de Pernambuco, 1 do Rio de Janeiro, 1 do Maranhão, 1 da Paraíba e 1 de Alagoas.

Descrição de Uma Viagem a Canudos é leitura e referência obrigatória para estudiosos e pesquisadores da guerra do fim do mundo.

Abimael Silva
Sebista e editor

Um grande detalhe desta edição é que ela será lançada durante o Seminário sobre José Calazans, no Museu de Canudos, de Natal presença do editor Abimael Silva, do Prof. João da Mata Costa, do designer Afonso Martins, sob as bençãos do Bispo de Itaipu, o grande Inácio.

domingo, 7 de agosto de 2011

O poder dos Livros

Um livro sempre extrapola o espaço de si mesmo, nos leva a lugares inimagináveis. Essa parece ser a ideia do ilustrador russo Mladen Penev, criador da série “The Power of Books”, que você confere abaixo. Seja explorando universos futuristas, com escritores como Isaac Asimov, em uma aventura subaquática, com Júlio Verne, ou investigando assassinos com Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle, o importante é que você abra um e se deixe surpreender.
Veja também outras obras de arte e propagandas de incentivo à leitura.








Fonte:http://ebooksgratis.com.br

terça-feira, 2 de agosto de 2011

22 anos sem o Rei do Baião


A Triste Partida
Luíz Gonzaga
Composição: Patativa do Assaré


Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
A treze do mês
Ele fez experiênça
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Sinhô São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nóis vamo a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nóis vamo a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Ai pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrívi
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Iscrama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se arguma notíça
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai