sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um Poeta Olhado de Esguelha - Por João Batista de Morais Neto



É admirável, no estilo, com a sintaxe que lhe é própria, a forma como Câmara Cascudo descreve o nascimento do poeta Ferreira Itajubá: “Na quente apoteose do meio-dia, quando agosto rodava para o sul as suas lufadas fortes, no dia 21, filho de pescadores, nascia Manuel Virgílio Ferreira Itajubá, o primeiro e último Minnesinger como lhe chamou Severino Silva, o inconsciente Felibre como lho classificou  Angione Costa, o derradeiro menestrel que possuiu o Rio Grande do Norte”.
É lamentável como, na passagem de seus cem anos de morte, a cidade sequer teve o cuidado de lembrá-lo como ele merecia. Entretanto, para não passar em brancas nuvens, a poesia do mestiço natalense foi resgatada pela memória e pela louvável iniciativa do escritor Racine Santos, que colocou no circuito midiático impresso a revista Trapiá com matéria de capa intitulada “A tristíssima solidão de Ferreira Itajubá”. Nela há depoimentos de vários intelectuais potiguares enfatizando a importância do “poeta dos lugares estranhos”.
Pelo que se conhece, a primeira edição de suas poesias completas ocorre em 1927, sendo a segunda, sob a responsabilidade da Fundação José Augusto, em 1965. Assim, nestes cem anos de morte, completam-se 47 anos dessa segunda edição. Depois disso, não se cuidou de organizar nenhuma outra edição que pudesse possibilitar a merecida recepção de uma poesia que é reconhecida como uma das mais importantes da produção poética norte-rio-grandense. Instaurou-se um verdadeiro “processo de olvido”, assim podemos falar com o crítico mexicano Octavio Paz, quando, ao escrever sobre poesia e vida de Sór Juana Inés de La Cruz, diz: “Um autor não-lido é um autor vítima da pior censura -  a da indiferença. É uma censura mais eficaz que a do Índice Eclesiástico”. A conhecida frase de Mário de Andrade (de uma crônica publicada em seu Os Filhos da Candinha), “O Brasil precisa conhecer melhor Ferreira Itajubá”, torna-se agora mais do que nunca necessária para o resgate dessa poesia, colocando um ponto final nessa censura-indiferença.
Situando-o em sua época, Esmeraldo Siqueira, no prefácio da segunda edição, informa-nos que “dificultavam-lhe até o consolo da poesia, porque os seus poemas, quando não eram recusados pelos redatores d’A República, órgão oficial e folha mais importante da época, saíam estampados nos recantos menos lidos do jornal ou na coluna das Solicitadas”. Isso sublinha fortemente a recusa, o olhar d’esguelha (essa expressão é de Nilson Patriota) sobre o poeta. O olhar de seus contemporâneos continua firme, hoje, a denunciar a censura, a “mera injustiça cabocla”, de que reclama o mencionado crítico potiguar. Parece que a forma enviesada de olhá-lo não se limitava apenas a sua vida, mas também a sua obra. Ponho entre aspas o que Câmara Cascudo observa: “Olhavam-no como quem olha um animal bonito e mau”.
Em um de seus sonetos, escreve o poeta: Piso outra vez o chão do velho abrigo:/Nem uma flor na quadra da vidima,/Quanto mais quem me estenda o colo amigo!”. A expressão romântica da “solidão tristíssima”, resgatada por Racine Santos, e que faz eco na voz de outros que leram e estudaram o que Itajubá produziu, expõe traços desse sentimento, que é o de um sujeito cujo lugar é questionado. Nilson Patriota, um de seus melhores leitores, diz que “produto nativo puro, autêntica expressão do povo rude e bom, Itajubá não encontrou guarida na província. Por mais que se esforçasse, haveria de permanecer em ‘seu lugar’”. Por isso sempre me vem a pergunta: qual o lugar da poesia de Itajubá? Incontestavelemente romântico, mesmo que tardio, toda a sua produção poética, embora com altos e baixos, ressalta um lugar nômade. Talvez seja isso o que caracterize o desejo de viajar, de ser viajante, sair da terra amada, em busca de uma compensação pessoal para sua angústia.
Mas o mestiço Itajubá era pessoalmente alegre, incômodo, inquieto, é o que dizem os depoimentos. E bastante centrado na geografia de sua cidade, que canta inclusive no poema, cujo título é Terra Natal. A tristeza romântica se desenhava nos seus versos como um motivo principal que movia a sua criação. Diz-se mesmo que seus versos são felizes, embora se identifique essa “tropical melancolia”, para lembrar aqui Torquato Neto. Talvez seja esse sentimento, que é mostrado no verso torquatiano, a força criativa do espírito inquieto do romântico mestiço, que traça esse lirismo com cheiro da terra, da maresia, de “um ruído de uns coqueiros da ribamar”.
“Rude”, “nativo”, “coração simples”, “diamante bruto” são expressões correntes na crítica que leu e teceu comentários sobre a poesia itajubalina. Ainda abrindo aspas, cito aqui Tarcísio Gurgel: “O seu rude talento seria aceito pela elite intelectual, ainda cheia de ranços aristocráticos, apenas quando Henrique Castriciano escreveu ali um testemunho elogioso sobre o autor de Terra Natal”. O apadrinhamento ilustre de um intelectual da elite local permite uma certa visibilidade ao poeta inculto, garantindo-lhe um lugar no cânone literário potiguar. Mas mesmo que esse lugar seja visível, até que ponto lhe garante uma legitimidade? A lírica inculta, de Itajubá, misturada de parnasianismo e romantismo, com traços de acento simbolista (segundo uma certa visão), será relativizada e questionada por sua “pobreza vocabular”. Seria mesmo aceitável essa leitura? Ou seria apenas uma recepção preconceituosa, efeito do olhar de viés, que recusa uma lírica produzida por um lírico rude?
O crítico Edgar Barbosa utiliza-se de uma expressão curiosa para configurar a imagem do poeta de Terra Natal, chamando-lhe de “o grande bárbaro norte-rio-grandense”. Considerando-se que a figura do bárbaro foi inventada, no mundo da cultura clássica, para indicar aqueles que estavam fora da civilização e da cultura dominante da época, o estrangeiro era visto como primitivo, um inculto, um monstro, uma ameaça. Esse outro, que era olhado e tido como superior, constituía-se um alvo negativo do olhar civilizador. Dessa forma, o “bárbaro” potiguar, um “desgraçado pária social” (como mostra o prefaciador da segunda edição), tinha suas dificuldades para se integrar a esse mundo da elite intelectual que, vendo-o como rude e analfabeto, recusava a fatura poética de seus versos, vistos como mal construídos, tecnicamente defeituosos. O “bárbaro” não sabia dominar os procedimentos literários correntes e, ainda mais, tecendo uma lírica anacrônica, pois romântica fora de época.
Esta reedição de suas poesias completas, fruto da iniciativa de Abimael Silva, merece um brinde. Surge para evidenciar a qualidade literária dos versos de Ferreira Itajubá, poeta que, com sua marca inclassificável, não se sujeita às normas confinadoras dos modelos disponíveis com os quais ele dialogou, desenhando com seu traço as imagens da terra natal que amou e soube cantar como poucos. Esta reedição traz os livros Terra Natal (poema),  e Harmonias do Norte (poesias esparsas), a fim de que se reverta a indiferença, provocando uma recepção à altura de seu merecimento como uma proposta que possa instigar uma revisão do “processo de olvido”.


Natal, outubro de 2012

O Agreste Colonial do Dr. Hélio Galvão


Velhas Heranças é a história do agreste colonial, de 1705 a 1940, que o historiador e jurista Hélio Galvão pesquisou no cartório de Goianinha e publicou nas revistas Bando e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, de 1951 a 1972. Sua vida social, religiosa, agrária, econômica. Sua cultura: as devoções, a indumentária, os tecidos, as relações de parentesco, o mobiliário, os adornos, os instrumentos profissionais.
            É o primeiro estudo genealógico das famílias do agreste norte-rio-grandense, em especial Goianinha, Tibau do Sul, Piau, Canguaretama, Pipa, Arês e São José de Mipibu.
            Com esta publicação, muitos outros elementos poderão ser colhidos para a história, para a genealogia, para a sociologia e economia. Também é uma homenagem ao Dr. Hélio Galvão, o mais completo historiador do Rio Grande do Norte colonial.
                                                                                 
                                                                                  Abimael Silva
                                                                                  Sebista e editor

Mais um Clássico. Luiz Gonzaga na poesia de Zé Praxedi - Por Leide Câmara


Zé Praxédi
por Leide Câmara

Zépraxédi (O Poeta Vaqueiro) ao escrever “Luiz Gonzaga e outras poesias“ jamais pensou que entraria para história como autor da primeira biografia em versos do Rei do Baião. E disse bonito, bem ao seu estilo de poeta, que tão bem conhecia o Nordeste, Luiz Lua Gonzaga, o sertão, seu povo e sua gente. Com prefácio de Luiz da Câmara Cascudo e com o apoio de outro potiguar, João Café Filho (Vice-Presidente da República), a obra foi publicada pela Continental Artes Gráficas, de São Paulo/SP, em 1952. Praxédi parecia adivinhar que  o ícone que Luiz Gonzaga mais tarde se tornaria, pois em seu última estrofe do  poema biografia finaliza assim “... Mas o TITO, que me abrange, minha arma, meu coração, foi dado pelo povo da praça e do meu sertão. É a voz do meu Brazí: GONZAGA O REI DO BAIÃO”. E foi mesmo consagrado pelo povo como a maior expressão da música nordestina. Luiz criou um estilo ao se caracterizar com a indumentária do nordestino e cangaceiro em suas apresentações. Transformou costumes com o xote e o baião e fez mudanças para estória da música brasileira divulgando o Nordeste e nacionalizando o forró. Imortalizou a trilogia do baião - Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, que até hoje é seguido por legiões de fãs que cultuam sua memória e sua obra, que é um patrimônio imensurável.

O Sebo Vermelho, leia-se Abimael Silva, para comemorar o centenário de nascimento do Rei do Baião (13 de dezembro de 1912 – 13 de dezembro de 2012) publicou uma edição Fac-similar do livro de Zépraxédi (O Poeta Vaqueiro) “Luiz Gonzaga e outras poesias”, uma obra rara que tem sessenta anos. O livro chegará a mãos de apreciadores tanto de Luiz Gonzaga quanto de Zé Praxédi.

Uma memória  histórica

José Praxedes Barreto nasceu na Fazenda Espinheiro, Angicos (RN), em 15 de novembro de 1916 e faleceu no Rio de Janeiro em 16 de março de 1982. Compositor, intérprete, escritor, poeta, radialista, cordelista e jornalista (filiado a Associação Brasileira de Impressa - ABI/RJ em 1955). Era o primeiro dos seis filhos do casal Francisco Praxédes Barreto (nasceu em Martins/RN e faleceu em Currais Novos/RN) e Maria Segunda Praxédes Barreto (nasceu em Martins/RN em dezembro de 1900 e faleceu em Natal/RN em 23 de junho de 1975). José Praxédes casou em 1941 com Hilda Pinheiro Barreto, com quem teve um único filho, José Praxédes Barreto Júnior (Bahia/BA em 09 de novembro de 1947) que reside no Rio de Janeiro. Zé Praxedes foi morar no Rio de Janeiro em 1950 e no ano seguinte, com o patrocínio de João Café Filho, ele e Luiz Gonzaga fizeram uma consagradora apresentação no Teatro Copacabana.

Foi contratado pela Rádio Nacional, onde apresentou por muitos anos o Programa “Sertão é assim”, todos os dias às 6 horas da manhã, era um momento em que os Nordestinos ausentes conseguiam matar a saudade de sua gente. O programa dava grande audiência e isso foi muito importante para conseguir patrocinadores e mantê-lo no ar.


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ferreira Gullar, assuta até criancinhas. Por Bemvindo Siqueira



Ferreira Gullar, que por sua idade, pela   obra e passado,  merece todo o meu respeito,  escreveu artigo neste domingo na Folha de SP - onde escreve regularmente, o que já o qualifica - afirmando que Lula comprou deputados enquanto Presidente e decidindo que a geração de políticos ideológicos acaba com Dilma. Vaticina que após a Presidenta a ideologia política acabará.

A ideologia não acaba. Como literato o honorável Gullar deveria lembrar-se que cada discurso, cada gesto, cada postura corporal denuncia uma ideologia neles contida.


A ideologia  não acabou e nem acabará. Seu próprio artigo deste domingo na Folha denota a sua ideologia.  Ao escrever que uma nova geração de políticos como Aécio, Cabral, eduardos: Campos e  Paes,  são a nova geração de políticos "não ideológicos", está mais uma vez sendo o porta-voz de uma nossa velha e conhecida ideologia: a que prega o fim das lutas sociais, dos conflitos entre pobres e ricos, entre poderosos e excluídos, para que tenhamos a ilusão "voltairiana" de Cândido, o Otimista, a  de que vivemos no melhor dos mundos, e que a melhor coisa que posso fazer é "cuidar do MEU jardim."

Faz coro com Roberto Freire e com muitos outros que para justificar seu rendição ao neoliberalismo aceitam a tese de que a ideologia acabou.

A ideologia é um conjunto de idéias, ideias são sonhos antes de se tornarem realidade. A ideologia que nos moveu até hoje  é como a Fé, é acreditar na realização do impossível. A Fé numa sociedade melhor,  com igualdade social continua sendo o sonho de milhões no Mundo de hoje. Sobretudo milhões  de jovens, que continuarão realizando o impossível mesmo depois de décadas após a nossa morte. Manterão a memória de Spartacus, de Lutero, da Comuna de Paris, de Rosa de Luxemburgo, das Brigadas Internacionais, de Paris em Maio de 68, de Martin Luther King, Che Guevara e de tantos e tantos outros movimentos e pessoas que lutaram contra o Sistema,  por mais justiça e  por mais humanidade.

Para experienciar o verso de   Fernando Pessoa: "tenho em mim todos os sonhos do mundo.." basta ter o espírito jovem, e para sonhar não importa a idade, porque diz Joel: "...os vossos velhos sonharão".

O grande Ferreira Gullar  que já nos deu tanto orgulho e prazer, chega  na velhice -  ao contrário de Niemeyer -  confundindo o fim da sua vida com o Fim do Mundo.

Pode ser que realmente o Mundo tenha acabado para ele desde o dia em que Lula se elegeu, e o PT chegou ao Poder.

Tão trágico quanto um  Titanic não se importa de ir a pique desde que leve com ele  Lula, acusando-o de ter comprado parlamentares, e de ser o verdadeiro chefe do "mensalão".

E, com todo o  bom humor que me caracteriza, com todo respeito -  é claro -  digo que Gullar além de equivocado é muito feio. Assusta as crianças. kiakiakiá


http://blogdobemvindo.blogspot.com.br/2012/11/ferreira-gullar-assusta-as-criancas.html

sábado, 10 de novembro de 2012

O Ano Epifãnico de Joyce por João da Mata Costa


Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê / Tanta gente canta, tanta gente cala
/ Tantas almas esticadas no curtume / Sobre toda estrada, sobre toda sala
/ Paira, monstruosa, a sombra do ciúme (Caetano Veloso, O Ciúme)

O ano de 1904 foi para Joyce um ano talismânico. Tudo na sua vida converge
para o grande encontro com Nora Barnacle em Junho deste ano. Foi nesse
período que ele elabora a sua teoria sobre o Hamlet, de Shakespeare.
Segundo sua teoria, quem foi chifrado pela rainha com o seu irmão foi o
pai de Hamlet. Assim como o próprio Shakespeare teria sido traído por seu
irmão com Anne Hathway. Muitos dos heróis de Joyce são cornos. O tema do
ciúme está presente na sua única peça “Exílio”, e no último conto “The
Dead” do livro Dublinenses. Um dos maiores contos do século XX foi levado
às telas por John Huston com o título “Os Vivos e os Mortos” (EUA 1987).
Na sua peça exílio há um simbolismo que jorra numa efusão cósmica: A pedra
(a mulher como objeto sexual, segundo Bertha da peça Exílio) que Robert
acaricia pela sua beleza, a chuva ( símbolo da fertilização), as rosas
exuberantes ( símbolo místico), etc.

No Ulisses, Joyce fala muito através dos sons. O leitor sente prazer e dor
ao ouvir o som da trombeta, o suspiros das folhas, o ruído do mar e o som
da água escoando no ralo da pia em espiral. Joyce é um alquimista da
palavra e a linguagem é o personagem principal desse imenso cipoal cheio
de ruídos e labirintos, enciclopédico romance Ulisses. “Deus é um barulho
na rua”. A história das pessoas é a história da linguagem, escreve Joyce.

Até os vinte anos, Joyce só conhecia as mulheres de prostíbulos. Nora era
uma ruiva alta iletrada de Galway que entrou definitivamente na sua vida.
No dia 10 de Junho de 1904, eles se encontram pela prima volta. Joyce
usava um boné de marinheiro e passeava na Rua Nassau calçando alpargatas,
quando encontra a camareira do Finn´s Hotel. Combinaram um encontro para o
dia 14. Nora não pareceu e recebeu um bilhete. … Gostaria de marcar um
encontro, mas poderia não lhe servir… (James Joyce – Richard Ellmann).

Outro encontro foi marcado para o dia 16 de junho. Esse encontro foi um
ponto de inflexão na vida de Joyce. Ele deixava a solidão que o perseguia
desde a morte de sua mãe e encontrava a mulher de sua vida. Stephen
Dedalus é o seu alterego e sofre com a consciência pesada no Ulissses por
não ter rezado no leito da morte da mãe. Nora deu a Joyce segurança,
confiança e ternura que ele precisava para escrever sua obra genial. E
inspiração para Gretta Conroy em The Dead, Bertha em Exiles, Molly Bloom
em Ulissses a Anna Lívia Plurabelle em Finnegans Wake.

Joyce passou a maior parte de sua tumultuada e sacrificada vida no exílio.
Trieste, norte da Itália (1904-1914), Zurique – Suiça, onde ele foi
sepultado (1915-1920 e 1939- 1941) e Paris (1920- 1939), cidade onde foi
lançado o Ulisses em 1922.

Nora Barnacle e James Joyce

Um encontro comum. Um dia comum. Assim acontece o dia de Bloom. Nora era
uma mulher simples e só tinha instrução primária, não entendia de
literatura, nem tinha poder de introspecção. Até os 13 anos freqüentou a
escola de um convento católico e depois foi trabalhar como porteira de um
outro convento. Antes de Joyce, Nora conheceu outro menino de quem ela
gostava muito, seu nome era Michael (Sonny) Bodkin. Nós íamos à loja do
pai dele para um pêni de balas de conversa os doces chatos com versinhos
neles ( tipo eu te amo e eu quero te ver essa noite ). Sonny morreu muito
cedo (R. Ellmann op. Cit. ).

Depois ela conheceu William Mulvey em Galway City, com quem se encontrava
às escondidas por causa do seu tio Tommy Healy. Uma noite leva uma surra
de seu tio, ao ser apanhada na rua, e resolve ir para Dublin, deixando o
tio bruto e a religião opressora.

No dia 15 de Agosto de 1904 ele escreve:

Minha querida Nora,

Neste instante soou uma hora. Cheguei em casa às onze e meia. Desde então
estou sentado numa poltrona como um bobo. Não pude fazer nada. Não escuto
nada a não ser a tua voz. Sou como cretino a ouvir-te chamar-me “querido”
. Quando estou com você deixo a lado da minha natureza desdenhosa e
desconfiada. Queria sentir sua cabeça no meu ombro agora. Acho que vou
para a cama.

Jim

À medida que Joyce foi se aproximando de Nora começou a sentir medo de
revelar o seu lado obsceno e bestial, de quando era um frequentador
assíduo dos bordéis. No encontro do dia 16 eles foram até o Parque
Ringsend. Nora desabotoou as calças de Joyce e tocou profundamente no seu
sexo num rito iniciático, “blooming”.

“Como odeio Deus e a morte, como gosto de Nora.”

Joyce deixava a sua imensa solidão e estava apaixonado. Bloom era a morte
que prevalecia na decadente Irlanda de 1904. Nora era a vida nova que
chegava. Um antídoto contra a solidão e paixão que sentia para consigo
mesmo.
O protagonista do Ulisses Leopold Bloom também se masturba na praia. Na
correspondência “one way” que ia se estabelecer entre Nora e Joyce (uma
das poucas cartas que Nora lhe escreve é copiada de um livro), ele
pergunta a ela se alguém a masturbou. … “Eu sei que fui o primeiro homem
que te comeu, mas será que nenhum homem jamais te masturbou? Aquele rapaz
que você amava não fez isso contigo?”

No período de 1904 – 1912 James Joyce escreve muitas cartas a Nora “sua
menininha do convento”, falando da sua solidão e produção literária.
Cartas íntimas, pornográficas e reveladores de uma complexa mente urdida
na literatura. Nada era perdido para Joyce. Para nos leitores de Joyce,
também nada é perdido quando escrito com as vísceras e pulsão de um dos
maiores escritores de sempre. Joyce e nora tiveram dois filhos. George e
Lucia. Vinte e sete após o encontro epifânico eles se casariam. As cartas
de Joyce a Nora foram publicadas no Brasil pela primeira vez pela Massao
Ohno – Roswitha Kempt Editores 1982, com tradução da Mary Pedrosa. A
seguir uma das belas cartas dessa inestimável correspondência.

2 December 1909: 44 Fontenoy Street, Dublin.
My darling

I ought to begin by begging your pardon, perhaps, for the extraordinary
letter I wrote you last night. While I was writing it your letter was
lying in front of me and my eyes were fixed, as they are even now, on a
certain word of it. There is something obscene and lecherous in the very
look of the letters. The sound of it too is like the act itself, brief,
brutal, irresistible and devilish.
Darling, do not be offended at what I wrote. You thank me for the
beautiful name I gave you. Yes, dear, it is a nice name ‘My beautiful wild
flower of the hedges! My dark-blue, rain-drenched flower!’. You see I am a
little of the poet still. I am giving you a lovely book for a present too:
and it is a poet’s present for the woman he loves. But, side by side and
inside this spiritual love I have for you there is also a wild beast-like
craving for every inch of your body, for every secret and shameful part of
it, for every odour and act of it. My love for you allows me to pray to
the spirit of eternal beauty and tenderness mirrored in your eyes or to
fling you down under me on that soft belly of yours and fuck you up
behind, like a hog riding a sow, glorying in the open shame of your
upturned dress and white girlish drawers and in the confusion of your
flushed cheeks and tangled hair. It allows me to burst into tears of pity
and love at some slight word, to tremble with love for you at the sounding
of some chord or cadence of music or to lie heads and tails with you
feeling your fingers fondling and tickling my ballocks or stuck up in me
behind and your hot lips sucking off my cock while my head is wedged in
between your fat thighs, my hands clutching the round cushions of your bum
and my tongue licking ravenously up your rank red cunt. I have taught you
almost to swoon at the hearing of my voice singing or murmuring to your
soul the passion and sorrow and mystery of life and at the same time have
taught you to make filthy signs to me with your lips and tongue, to
provoke me by obscene touches and noises, and even to do in my presence
the most shameful and filthy act of the body. You remember the day you
pulled up your clothes and let me lie under you looking up at you as you
did it? Then you were ashamed even to meet my eyes.
You are mine, darling, mine! I love you. All I have written above is only
a moment or two of brutal madness. The last drop of seed has hardly been
squirted up your cunt before it is over and my true love for you, the love
of my verses, the love of my eyes for your strange luring eyes, comes
blowing over my soul like a wind of spices. My prick is still hot and
stiff and quivering from the last brutal drive it has given you when a
faint hymn is heard rising in tender pitiful worship of you from the dim
cloisters of my heart.
Nora, my faithful darling, my sweet-eyed blackguard schoolgirl, be my
whore, my mistress, as much as you like (my little frigging mistress! my
little fucking whore!) you are always my beautiful wild flower of the
hedges, my dark-blue rain-drenched flower.
JIM

Leia aqui em Espanhol:
2 de diciembre de 1909
44 Fontenoy Street, Dublín

Querida mía, quizás debo comenzar pidiéndote perdón por la increíble carta
que te escribí anoche. Mientras la escribía tu carta reposaba junto a mí,
y mis ojos estaban fijos, como aún ahora lo están, en cierta palabra
escrita en ella. Hay algo de obsceno y lascivo en el aspecto mismo de las
cartas. También su sonido es como el acto mismo, breve, brutal,
irresistible y Nora Barnaclediabólico.

Querida, no te ofendas por lo que escribo. Me agradeces el hermoso nombre
que te di. ¡Si, querida, “mi hermosa flor silvestre de los setos” es un
lindo nombre! ¡Mi flor azul oscuro, empapada por la lluvia! Como ves,
tengo todavía algo de poeta. También te regalaré un hermoso libro: es el
regalo del poeta para la mujer que ama. Pero, a su lado y dentro de este
amor espiritual que siento por ti, hay también una bestia salvaje que
explora cada parte secreta y vergonzosa de él, cada uno de sus actos y
olores. Mi amor por ti me permite rogar al espíritu de la belleza eterna y
a la ternura que se refleja en tus ojos o derribarte debajo de mí, sobre
tus suaves senos, y tomarte por atrás, como un cerdo que monta a una
puerca, glorificado en la sincera peste que asciende de tu trasero,
glorificado en la descubierta vergüenza de tu vestido vuelto hacia arriba
y en tus bragas blancas de muchacha y en la confusión de tus mejillas
sonrosadas y tu cabello revuelto. Esto me permite estallar en lágrimas de
piedad y amor por ti a causa del sonido de algún acorde o cadencia musical
o acostarme con la cabeza en los pies, rabo con rabo, sintiendo tus dedos
acariciar y cosquillear mis testículos o sentirte frotar tu trasero contra
mí y tus labios ardientes chupar mi pija mientras mi cabeza se abre paso
entre tus rollizos muslos y mis manos atraen la acojinada curva de tus
nalgas y mi lengua lame vorazmente tu sexo rojo y espeso. He pensado en ti
casi hasta el desfallecimiento al oír mi voz cantando o murmurando para tu
alma la tristeza, la pasión y el misterio de la vida y al mismo tiempo he
pensado en ti haciéndome gestos sucios con los labios y con la lengua,
provocándome con ruidos y caricias obscenas y haciendo delante de mí el
más sucio y vergonzoso acto del cuerpo. ¿Te acuerdas del día en que te
alzaste la ropa y me dejaste acostarme debajo de ti para ver cómo lo
hacías? Después quedaste avergonzada hasta para mirarme a los ojos.
¡Eres mía, querida, eres mía! Te amo. Todo lo que escribí arriba es sólo
un momento o dos de brutal locura! La última gota de semen ha sido
inyectada con dificultad en tu sexo antes que todo termine y mi verdadero
amor hacia ti, el amor de mis versos, el amor de mis ojos, por tus
extrañamente tentadores ojos llega soplando sobre mi alma como un viento
de aromas. Mi pija está todavía tiesa, caliente y estremecida tras la
última, brutal embestida que te ha dado cuando se oye levantarse un himno
tenue, de piadoso y tierno culto en tu honor, desde los oscuros claustros
de mi corazón.
Nora, mi fiel querida, mi pícara colegiala de ojos dulces, sé mi puta, mi
amante, todo lo que quieras (¡mi pequeña pajera amante! ¡mi putita
folladora!) eres siempre mi hermosa flor silvestre de los setos, mi flor
azul oscuro empapada por la lluvia.
(http://www.tijeretazos.net/N001/Joyce/Joyce001.htm)
JIM

Ouça aqui na voz do ator Caco Ciocle, a pedido da Revista Bravo, na
tradução recente da editora Iluminuras com organização e tradução do
Sergio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante, 2012.
http://bravonline.abril.com.br/materia/desejos-expressos