segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal, Feliz 2013

Votos do Sebo Vermelho para nossos, amigos, clientes e parceiros, em 2013 com muitas novidades na Coleção João Nicodemos de Lima.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A amada do Cavaleiro da Triste Figura e outras personagens femininas no Dom Quixote (1605- 1615). Por João da Mata Costa


Por amor tudo pode e adverte. Por amor Dom Quixote luta e tem motivação para viver.  Pelo amor luto contra gigantes e moinhos de vento. Tudo por ela: a minha amada. Fico louco e dou cambalhotas na razão. Cavalgo o Rocinante e luto conta as injustiças. Morro com Basílio pelo amor Quitéria. Canto com Crisóstomo o amor de Marcela. Na novela imortal Dom Quixote escrita por Miguel de Cervantes, para além da dupla genial de protagonistas masculinos, Dom Quixote e Sancho Pança e outros grandes personagens como o barbeiro Nicolau (Maese Nicolás) e o amigo do Quixote - Bacharel Sansão Carrasco - existe um grande naipe de personagens femininas na obra prima de Cervantes que são pouco comentadas na análise da obra.
Personagens chaves nas tramas das múltiplas ações na saga do nobre cavalheiro. Numa época em que os casamentos eram arranjados pelos pais - Lucinda e Quitéria -, foram obrigadas a casar respectivamente com Dom Fernando e o rico Camacho, para desgosto dos seus preferidos Cardênio e Basílio.  Outras fogem de seus pais para casar com o amado, como aconteceu com Leandra que fora enganada por um soldado e, Zoraida, que acompanhou o
capitão Rui Peres em Fuga. Na 2ª parte do Dom Quixote (1615), o cavaleiro e seu escudeiro são transformados em “Homens de Prazer” na trama armada pelos Duques, onde a donzela Altisidora tenta cortejar o fiel cavaleiro O fidalgo Dom Quixote passava dias e noites lendo até que teve seus miolos amolecidos.  Era um homem casto (“o mais casto enamorado e o mais valente cavaleiro que de muitos anos a essa parte se viu naqueles arredores.” – Prólogo) que tinha com relação à mulher pouca confiança e o sentimento da sua impenetrabilidade: Entre o sim e o não de uma mulher, disse Sancho, não me atreveria a por a ponta de um alfinete, porque certamente não caberia (I, 27). Essa é a condição natural das mulheres, disse Dom Quixote: desdenhar de quem as quer e amar quem as aborrece (I, 34). A Mulher tem naturalmente perspicácia mais rápida do que o homem para o bem e para o mal (II, 34). Quem há neste mundo que se possa gabar de ter penetrado e compreendido o pensamento confuso e a condição mutável de uma mulher?  Ninguém, por certo (I, 27). Mesmo assim e por ela, Dulcinéia del Toboso – a Soberana e alta Senhora- são todas as ações do Cavaleiro da Triste Figura. “nela eu vivo e respiro.” Aldonza Lorenzo (Dulcinea del Toboso) era uma camponesa cheirando a alho, transformada pela paixão quixotesca em uma grande dama. O que fez de uma a outra? O amor de Dom Quixote. Logicamente, ele não precisa vê-la para amar. Ela representa aquele ideal de pureza e grandeza a que todos aspiram: ela era a musa inspiradora que a fé de Dom Quixote alimentava. Em uma carta enviada a ela, ele diz:

“Se a tua formosura me despreza, se o teu valor me não vale, se os teus desdéns se apuram com a minha firmeza, não obstante ser eu muito sofrido, mal poderei com estes pesares, que, além de muito graves, já vão durando em demasia. O meu bom escudeiro Sancho te dará inteira relação, ó minha bela ingrata, amada inimiga minha, do modo como eu fico por teu respeito. Se te parecer acudir-me, teu sou; e senão faz o que mais te aprouver, pois em acabar a minha vida terei satisfeito á tua crueldade e o meu desejo. Teu ate à morte.”  Dom Quixote.

Na casa do Quixote vivia sua sobrinha e uma ama, uma espécie de governanta. As duas cuidavam dele, e tinham grandes apreensões pelos livros que lhe causavam tantos danos. Quando o Quixote ainda dormia o Padre pediu à sobrinha as chaves do aposento onde se encontravam mais de cem livros encadernados, e outros pequenos. Benzeram o aposento com água benta, e fizeram o escrutínio onde a maior parte dos livros foram condenados á fogueira.  A sobrinha e a ama eram as mais entusiasmadas com o “auto da fé” dos livros de Don Quixote e, por vontade delas, não escapava nenhum. ( I, 6).

Altisidora é uma donzela ( “pulcela” ) na corte da Duquesa, que simula está apaixonada por Dom Quixote, e morre de “melancolia erótica” na farsa burlesca planejada pelos Duques. A condição para a sua ressurreição é que Sancho deve se submeter a vinte e quatro bofetadas, doze beliscões e seis alfinetadas. Dona Rodriguez de Grijalba é a sua dama de companhia.   

Antonia, a sobrinha do Quixote, uma mulher com menos de vinte anos, que ajuda a queimar os livros do tio, na esperança de curá-lo de seus delírios (I, 6 ).  Ela nega o cavaleiro ao considerar sua missão uma cegueira e sandice de quem era velho e se julgava valente. De quem era doente e se acreditava forte, de quem se apregoava cavaleiro e não era. E de quem queria indireitar o mundo de forma torta.

Ama (a) é uma mulher que passa dos quarenta anos. Serviçal, bonachona e reverente. Ao mesmo tempo que é curiosa e intrometida.

Ana Félix Ricote é uma mulher valente, a ponto de disfarça-se para comandar um barco e retomar á Espanha para providenciar o resgate de seu noivo. Seu pai era um peregrino Mouro, amigo de Sancho.

Camila é casada com Anselmo. Lotário, grande amigo de Anselmo, tem a missão de testar a fidelidade de Camila e passa a cortejá-la.   Para azar do marido impertinente, Lotário torna-se amante de Camila com a cumplicidade da criada Leonela.  

Clara de Viedma é irmã de Rui, filha de Juan Peres, é apaixonada pelo jovem Dom Luís.  Loira de olhos negros. Mora em Madri com seus pais. 

Dorotéia é uma jovem que foi abandonada por Dom Fernando, depois de ter aceitado dormir com ele. Dom Fernando abandona a jovem morena Dorotéia, desejando se casar com Lucinda, que era loura e pura. Dorotéia é uma moça ardilosa e sobre o disfarce da princesa Micomicona vai pedir o Cavaleiro que reconquiste seu reino usurpado e a vingue de suas afrontas. Ao final consegue o que deseja e casa-se com Dom Fernando.

Duquesa ( a).  É a mulher que junto com o seu marido arma toda a farsa burlesca no seu palácio, onde tem lugar o encantamento de Altisidora que corteja Dom Quixote.  

Lucinda é uma jovem de Córdoba forçada pelos pais a casar-se com Dom Fernando, um nobre. Como passatempo ela lia livros de cavalaria (exemplo do Amadis de Gaula) e tem que rejeitar o amor de sua vida, Cardênio. Este era filho de pais nobres da Andaluzia.   Durante a cerimônia de casamento, Lucinda desmaia, e depois entra para um convento.

De Lucinda a Cardênio

“Cada dia descubro em vos valores que me obrigam e forçam a que mais vos estime; e, assim, se quiserdes quitar-me desta dívida sem me executar a honra penhorada , bem o poderei fazer. Pai tenho, que vos conhece e me quer bem, o qual, sem forçar minha vontade, cumprirá aquela que é justo que tenhais, se é que me estimais como dizeis e como eu creio.” ( I, 27 ).  

 Marcela. Por Marcela Crisóstomo morreu. Moça de grande beleza, herdeira da fortuna de um tio, teve o infortúnio de ser órfã da mãe que morreu quando do seu nascimento. Muito formosa, foi cobiçada por um jovem que por ela se apaixonou perdidamente a e  não suportou sua rejeição. Este jovem, o pastor Crisóstomo, se suicida, e deixa uma narrativa em que acusa Marcela da sua morte.

No enterro do infeliz amante, Vivaldo pergunta a Dom Quixote porque andava armado, em terra pacífica. Dom Quixote falou da beleza, grandeza e necessidade da cavalaria andante no mundo, oficio por meio do qual a espada e a lança executam na Terra a justiça de Deus.  Os amigos de Crisóstomo, jovens igualmente levados pelos ideais pastorais literários, querem puni-la. Mas, quando eles estão reunidos contando a Dom Quixote como ela é má e destruidora, Marcela aparece e lhes faz um discurso em que prova que, por ser amada de Crisóstomo, ela não tem que ceder aos seus pedidos. Por ser mulher, não tem que necessariamente casar-se para buscar proteção. Ela afirma sua liberdade de ir e vir, desimpedida, e de cuidar de seus afazeres, de sua fazenda, sem ter que estar com um homem ao seu lado.

Maritornes é uma criada asturiana, feia, mas “a galhardia do corpo supria as outras faltas.” Era a empregada na primeira venda (hospedaria) em que Dom Quixote se hospeda, pensando ser um castelo.  Maritornes tinha cara larga, pescoço curto e nariz achatado, cega de um olho e do outro não muito sã.  Não media nem sete palmos dos pés a cabeça, e as costas, um tanto encurvadas, faziam com que olhasse para o chão mais do que quisera (I , 16).   O Dom Quixote chega na venda / castelo todo moído depois de uma batalha,  e a Vendeira e Maritornes deitam o cavaleiro e o emplastam. O Cavaleiro pratica a virtude da continência sexual, fiel à sua decantada Dulcinéia.  À noite Maritornes vem em busca de um arrieiro que ali se hospedava e por engano chega ao leito do Quixote que dormia logo à entrada do estrelado estábulo.  A confusão foi armada e o contundido cavaleiro leva é esmurrado por um enciumado amante. O Quixote atribui todo esse engano a
maus encantamentos, que os puros de intenção somente a fados impiedosos poderão imputar as injustiças que os atinjam. Assim como aconteceu no manteiamento do seu escudeiro Sancho. 

Dom Quixote é fiel á sua amada Dulcinéia e, Maritornes, era para ele, a filha do dono do Castelo. Aqui sua confissão:

“Quisera achar-me em termos, formosa e alta senhora, de poder pagar tamanha mercê como esta que me haveis feito com a vossa grande formosura. Porém a fortuna, que não cansa de perseguir aos bons, quis prostrar-me nesse leito, onde me acho tão moído e quebrantado, que, por maior vontade que eu tivesse de vos satisfazer, de modo nenhum o poderia. A esta impossibilidade cresce outra maior; e é de fé que tenho prometido guardar à sem igual Dulcinéia del Toboso, única senhora dos meus mais ocultos pensamentos.” ( I, 16 ).


 Teresa Pança (também chamado de Juana ou Joana) é uma mulher alta e forte.  E Mari Sancha ( Sanchica) , a filha de Sancho, sobre quem o casal conversa e diverge sobre o seu possível casamento. Sancho deseja que ela case com alguém da corte, e seja uma condessa. Tereza teme que isso possa ser sua perdição.  Teresa é uma mulher prática e trabalhadora que não perde um funeral, casamento ou batizado de sua aldeia. Fala através de provérbios como o seu marido e tem consciência da submissão da mulher ao marido, mesmo que esses sejam uns néscios. Mesmo assim ela argumenta;

- Por que não hás de consentir e querer o que quero?
- Sabeis por quê, marido? – respondeu Tereza. – pelo ditado que diz: “Quem
te cobre te descobre! No pobre todos correm os olhos por alto, mas no rico
os fitam, e, se o tal rico foi noutro tempo pobre, ai começa o murmurar e o maldizer e o pior perseverar dos maledicentes, que os há por essa ruas ás pancadas, como enxames de abelhas. (II, 5).
Essa conversa difícil se deu depois de Sancho chega contente em casa dizendo desejar continuar seguindo seu amo em sua terceira saída, ao que Tereza pergunta:
- Que trazeis, Sancho amigo, que tão alegre chegais?

Ao que ele respondeu:

- Mulher minha, se Deus quisesse, bem folgara eu de não estar assim tão contente quanto mostro.

- Não vos entendo, marido – replicou ela [...].  E continuou:
- Olhai, Sancho: – Depois que vos fizestes membro de cavaleiro andante, falais de maneira tão complicada que não há quem vos entenda. Posteriormente, feliz com o governo do marido da Ilha Baratária (onde Sancho desempenha galhardamente suas funções), assim escreve Tereza uma carta a Sancho:

“Tua carta recebi, Sancho meu da minha alma, eu te prometo e juro como católica cristã que me faltou menos  que um triz para ficar louca de contentamento. Olha, irmão: quando eu ouvi que é governador, pensei que ali cairia morta de puro gosto, pois já sabes que dizem que tanto mata a alegria súbita como a dor grande.  Sanchica tua filha desaguou sem sentir, de puro contentamento. [...] O cura, o barbeiro, o bacharel e mesmo o sacristão não podem crer que sejas governador e dizem que tudo são embelecos ou coisas de encantamento, como todas as de Dom Quixote teu amo; diz Sansão que te há de ir buscar e tirar-te o governo da cabeça , e a Dom Quixote a loucura dos cascos. Eu  não faço senão rir-me e olhar o meu colar e imaginar o vestido que do teu  tenho de fazer para a nossa filha Sanchica.” ( II, 52).

Zoraida é uma jovem moura formosa filha de um mouro rico Agi Morato, que converteu-se ao cristianismo e se enamora do capitão Rui Peres de Viedma, com quem foge depois de tê-lo ajudado a escapar do cativeiro em Argel. A história do Capitão Cativo em Argel (I, 39-40) é muito autobiográfica da própria prisão de Cervantes.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um Poeta Olhado de Esguelha - Por João Batista de Morais Neto



É admirável, no estilo, com a sintaxe que lhe é própria, a forma como Câmara Cascudo descreve o nascimento do poeta Ferreira Itajubá: “Na quente apoteose do meio-dia, quando agosto rodava para o sul as suas lufadas fortes, no dia 21, filho de pescadores, nascia Manuel Virgílio Ferreira Itajubá, o primeiro e último Minnesinger como lhe chamou Severino Silva, o inconsciente Felibre como lho classificou  Angione Costa, o derradeiro menestrel que possuiu o Rio Grande do Norte”.
É lamentável como, na passagem de seus cem anos de morte, a cidade sequer teve o cuidado de lembrá-lo como ele merecia. Entretanto, para não passar em brancas nuvens, a poesia do mestiço natalense foi resgatada pela memória e pela louvável iniciativa do escritor Racine Santos, que colocou no circuito midiático impresso a revista Trapiá com matéria de capa intitulada “A tristíssima solidão de Ferreira Itajubá”. Nela há depoimentos de vários intelectuais potiguares enfatizando a importância do “poeta dos lugares estranhos”.
Pelo que se conhece, a primeira edição de suas poesias completas ocorre em 1927, sendo a segunda, sob a responsabilidade da Fundação José Augusto, em 1965. Assim, nestes cem anos de morte, completam-se 47 anos dessa segunda edição. Depois disso, não se cuidou de organizar nenhuma outra edição que pudesse possibilitar a merecida recepção de uma poesia que é reconhecida como uma das mais importantes da produção poética norte-rio-grandense. Instaurou-se um verdadeiro “processo de olvido”, assim podemos falar com o crítico mexicano Octavio Paz, quando, ao escrever sobre poesia e vida de Sór Juana Inés de La Cruz, diz: “Um autor não-lido é um autor vítima da pior censura -  a da indiferença. É uma censura mais eficaz que a do Índice Eclesiástico”. A conhecida frase de Mário de Andrade (de uma crônica publicada em seu Os Filhos da Candinha), “O Brasil precisa conhecer melhor Ferreira Itajubá”, torna-se agora mais do que nunca necessária para o resgate dessa poesia, colocando um ponto final nessa censura-indiferença.
Situando-o em sua época, Esmeraldo Siqueira, no prefácio da segunda edição, informa-nos que “dificultavam-lhe até o consolo da poesia, porque os seus poemas, quando não eram recusados pelos redatores d’A República, órgão oficial e folha mais importante da época, saíam estampados nos recantos menos lidos do jornal ou na coluna das Solicitadas”. Isso sublinha fortemente a recusa, o olhar d’esguelha (essa expressão é de Nilson Patriota) sobre o poeta. O olhar de seus contemporâneos continua firme, hoje, a denunciar a censura, a “mera injustiça cabocla”, de que reclama o mencionado crítico potiguar. Parece que a forma enviesada de olhá-lo não se limitava apenas a sua vida, mas também a sua obra. Ponho entre aspas o que Câmara Cascudo observa: “Olhavam-no como quem olha um animal bonito e mau”.
Em um de seus sonetos, escreve o poeta: Piso outra vez o chão do velho abrigo:/Nem uma flor na quadra da vidima,/Quanto mais quem me estenda o colo amigo!”. A expressão romântica da “solidão tristíssima”, resgatada por Racine Santos, e que faz eco na voz de outros que leram e estudaram o que Itajubá produziu, expõe traços desse sentimento, que é o de um sujeito cujo lugar é questionado. Nilson Patriota, um de seus melhores leitores, diz que “produto nativo puro, autêntica expressão do povo rude e bom, Itajubá não encontrou guarida na província. Por mais que se esforçasse, haveria de permanecer em ‘seu lugar’”. Por isso sempre me vem a pergunta: qual o lugar da poesia de Itajubá? Incontestavelemente romântico, mesmo que tardio, toda a sua produção poética, embora com altos e baixos, ressalta um lugar nômade. Talvez seja isso o que caracterize o desejo de viajar, de ser viajante, sair da terra amada, em busca de uma compensação pessoal para sua angústia.
Mas o mestiço Itajubá era pessoalmente alegre, incômodo, inquieto, é o que dizem os depoimentos. E bastante centrado na geografia de sua cidade, que canta inclusive no poema, cujo título é Terra Natal. A tristeza romântica se desenhava nos seus versos como um motivo principal que movia a sua criação. Diz-se mesmo que seus versos são felizes, embora se identifique essa “tropical melancolia”, para lembrar aqui Torquato Neto. Talvez seja esse sentimento, que é mostrado no verso torquatiano, a força criativa do espírito inquieto do romântico mestiço, que traça esse lirismo com cheiro da terra, da maresia, de “um ruído de uns coqueiros da ribamar”.
“Rude”, “nativo”, “coração simples”, “diamante bruto” são expressões correntes na crítica que leu e teceu comentários sobre a poesia itajubalina. Ainda abrindo aspas, cito aqui Tarcísio Gurgel: “O seu rude talento seria aceito pela elite intelectual, ainda cheia de ranços aristocráticos, apenas quando Henrique Castriciano escreveu ali um testemunho elogioso sobre o autor de Terra Natal”. O apadrinhamento ilustre de um intelectual da elite local permite uma certa visibilidade ao poeta inculto, garantindo-lhe um lugar no cânone literário potiguar. Mas mesmo que esse lugar seja visível, até que ponto lhe garante uma legitimidade? A lírica inculta, de Itajubá, misturada de parnasianismo e romantismo, com traços de acento simbolista (segundo uma certa visão), será relativizada e questionada por sua “pobreza vocabular”. Seria mesmo aceitável essa leitura? Ou seria apenas uma recepção preconceituosa, efeito do olhar de viés, que recusa uma lírica produzida por um lírico rude?
O crítico Edgar Barbosa utiliza-se de uma expressão curiosa para configurar a imagem do poeta de Terra Natal, chamando-lhe de “o grande bárbaro norte-rio-grandense”. Considerando-se que a figura do bárbaro foi inventada, no mundo da cultura clássica, para indicar aqueles que estavam fora da civilização e da cultura dominante da época, o estrangeiro era visto como primitivo, um inculto, um monstro, uma ameaça. Esse outro, que era olhado e tido como superior, constituía-se um alvo negativo do olhar civilizador. Dessa forma, o “bárbaro” potiguar, um “desgraçado pária social” (como mostra o prefaciador da segunda edição), tinha suas dificuldades para se integrar a esse mundo da elite intelectual que, vendo-o como rude e analfabeto, recusava a fatura poética de seus versos, vistos como mal construídos, tecnicamente defeituosos. O “bárbaro” não sabia dominar os procedimentos literários correntes e, ainda mais, tecendo uma lírica anacrônica, pois romântica fora de época.
Esta reedição de suas poesias completas, fruto da iniciativa de Abimael Silva, merece um brinde. Surge para evidenciar a qualidade literária dos versos de Ferreira Itajubá, poeta que, com sua marca inclassificável, não se sujeita às normas confinadoras dos modelos disponíveis com os quais ele dialogou, desenhando com seu traço as imagens da terra natal que amou e soube cantar como poucos. Esta reedição traz os livros Terra Natal (poema),  e Harmonias do Norte (poesias esparsas), a fim de que se reverta a indiferença, provocando uma recepção à altura de seu merecimento como uma proposta que possa instigar uma revisão do “processo de olvido”.


Natal, outubro de 2012

O Agreste Colonial do Dr. Hélio Galvão


Velhas Heranças é a história do agreste colonial, de 1705 a 1940, que o historiador e jurista Hélio Galvão pesquisou no cartório de Goianinha e publicou nas revistas Bando e Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, de 1951 a 1972. Sua vida social, religiosa, agrária, econômica. Sua cultura: as devoções, a indumentária, os tecidos, as relações de parentesco, o mobiliário, os adornos, os instrumentos profissionais.
            É o primeiro estudo genealógico das famílias do agreste norte-rio-grandense, em especial Goianinha, Tibau do Sul, Piau, Canguaretama, Pipa, Arês e São José de Mipibu.
            Com esta publicação, muitos outros elementos poderão ser colhidos para a história, para a genealogia, para a sociologia e economia. Também é uma homenagem ao Dr. Hélio Galvão, o mais completo historiador do Rio Grande do Norte colonial.
                                                                                 
                                                                                  Abimael Silva
                                                                                  Sebista e editor

Mais um Clássico. Luiz Gonzaga na poesia de Zé Praxedi - Por Leide Câmara


Zé Praxédi
por Leide Câmara

Zépraxédi (O Poeta Vaqueiro) ao escrever “Luiz Gonzaga e outras poesias“ jamais pensou que entraria para história como autor da primeira biografia em versos do Rei do Baião. E disse bonito, bem ao seu estilo de poeta, que tão bem conhecia o Nordeste, Luiz Lua Gonzaga, o sertão, seu povo e sua gente. Com prefácio de Luiz da Câmara Cascudo e com o apoio de outro potiguar, João Café Filho (Vice-Presidente da República), a obra foi publicada pela Continental Artes Gráficas, de São Paulo/SP, em 1952. Praxédi parecia adivinhar que  o ícone que Luiz Gonzaga mais tarde se tornaria, pois em seu última estrofe do  poema biografia finaliza assim “... Mas o TITO, que me abrange, minha arma, meu coração, foi dado pelo povo da praça e do meu sertão. É a voz do meu Brazí: GONZAGA O REI DO BAIÃO”. E foi mesmo consagrado pelo povo como a maior expressão da música nordestina. Luiz criou um estilo ao se caracterizar com a indumentária do nordestino e cangaceiro em suas apresentações. Transformou costumes com o xote e o baião e fez mudanças para estória da música brasileira divulgando o Nordeste e nacionalizando o forró. Imortalizou a trilogia do baião - Luiz Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, que até hoje é seguido por legiões de fãs que cultuam sua memória e sua obra, que é um patrimônio imensurável.

O Sebo Vermelho, leia-se Abimael Silva, para comemorar o centenário de nascimento do Rei do Baião (13 de dezembro de 1912 – 13 de dezembro de 2012) publicou uma edição Fac-similar do livro de Zépraxédi (O Poeta Vaqueiro) “Luiz Gonzaga e outras poesias”, uma obra rara que tem sessenta anos. O livro chegará a mãos de apreciadores tanto de Luiz Gonzaga quanto de Zé Praxédi.

Uma memória  histórica

José Praxedes Barreto nasceu na Fazenda Espinheiro, Angicos (RN), em 15 de novembro de 1916 e faleceu no Rio de Janeiro em 16 de março de 1982. Compositor, intérprete, escritor, poeta, radialista, cordelista e jornalista (filiado a Associação Brasileira de Impressa - ABI/RJ em 1955). Era o primeiro dos seis filhos do casal Francisco Praxédes Barreto (nasceu em Martins/RN e faleceu em Currais Novos/RN) e Maria Segunda Praxédes Barreto (nasceu em Martins/RN em dezembro de 1900 e faleceu em Natal/RN em 23 de junho de 1975). José Praxédes casou em 1941 com Hilda Pinheiro Barreto, com quem teve um único filho, José Praxédes Barreto Júnior (Bahia/BA em 09 de novembro de 1947) que reside no Rio de Janeiro. Zé Praxedes foi morar no Rio de Janeiro em 1950 e no ano seguinte, com o patrocínio de João Café Filho, ele e Luiz Gonzaga fizeram uma consagradora apresentação no Teatro Copacabana.

Foi contratado pela Rádio Nacional, onde apresentou por muitos anos o Programa “Sertão é assim”, todos os dias às 6 horas da manhã, era um momento em que os Nordestinos ausentes conseguiam matar a saudade de sua gente. O programa dava grande audiência e isso foi muito importante para conseguir patrocinadores e mantê-lo no ar.


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ferreira Gullar, assuta até criancinhas. Por Bemvindo Siqueira



Ferreira Gullar, que por sua idade, pela   obra e passado,  merece todo o meu respeito,  escreveu artigo neste domingo na Folha de SP - onde escreve regularmente, o que já o qualifica - afirmando que Lula comprou deputados enquanto Presidente e decidindo que a geração de políticos ideológicos acaba com Dilma. Vaticina que após a Presidenta a ideologia política acabará.

A ideologia não acaba. Como literato o honorável Gullar deveria lembrar-se que cada discurso, cada gesto, cada postura corporal denuncia uma ideologia neles contida.


A ideologia  não acabou e nem acabará. Seu próprio artigo deste domingo na Folha denota a sua ideologia.  Ao escrever que uma nova geração de políticos como Aécio, Cabral, eduardos: Campos e  Paes,  são a nova geração de políticos "não ideológicos", está mais uma vez sendo o porta-voz de uma nossa velha e conhecida ideologia: a que prega o fim das lutas sociais, dos conflitos entre pobres e ricos, entre poderosos e excluídos, para que tenhamos a ilusão "voltairiana" de Cândido, o Otimista, a  de que vivemos no melhor dos mundos, e que a melhor coisa que posso fazer é "cuidar do MEU jardim."

Faz coro com Roberto Freire e com muitos outros que para justificar seu rendição ao neoliberalismo aceitam a tese de que a ideologia acabou.

A ideologia é um conjunto de idéias, ideias são sonhos antes de se tornarem realidade. A ideologia que nos moveu até hoje  é como a Fé, é acreditar na realização do impossível. A Fé numa sociedade melhor,  com igualdade social continua sendo o sonho de milhões no Mundo de hoje. Sobretudo milhões  de jovens, que continuarão realizando o impossível mesmo depois de décadas após a nossa morte. Manterão a memória de Spartacus, de Lutero, da Comuna de Paris, de Rosa de Luxemburgo, das Brigadas Internacionais, de Paris em Maio de 68, de Martin Luther King, Che Guevara e de tantos e tantos outros movimentos e pessoas que lutaram contra o Sistema,  por mais justiça e  por mais humanidade.

Para experienciar o verso de   Fernando Pessoa: "tenho em mim todos os sonhos do mundo.." basta ter o espírito jovem, e para sonhar não importa a idade, porque diz Joel: "...os vossos velhos sonharão".

O grande Ferreira Gullar  que já nos deu tanto orgulho e prazer, chega  na velhice -  ao contrário de Niemeyer -  confundindo o fim da sua vida com o Fim do Mundo.

Pode ser que realmente o Mundo tenha acabado para ele desde o dia em que Lula se elegeu, e o PT chegou ao Poder.

Tão trágico quanto um  Titanic não se importa de ir a pique desde que leve com ele  Lula, acusando-o de ter comprado parlamentares, e de ser o verdadeiro chefe do "mensalão".

E, com todo o  bom humor que me caracteriza, com todo respeito -  é claro -  digo que Gullar além de equivocado é muito feio. Assusta as crianças. kiakiakiá


http://blogdobemvindo.blogspot.com.br/2012/11/ferreira-gullar-assusta-as-criancas.html

sábado, 10 de novembro de 2012

O Ano Epifãnico de Joyce por João da Mata Costa


Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê / Tanta gente canta, tanta gente cala
/ Tantas almas esticadas no curtume / Sobre toda estrada, sobre toda sala
/ Paira, monstruosa, a sombra do ciúme (Caetano Veloso, O Ciúme)

O ano de 1904 foi para Joyce um ano talismânico. Tudo na sua vida converge
para o grande encontro com Nora Barnacle em Junho deste ano. Foi nesse
período que ele elabora a sua teoria sobre o Hamlet, de Shakespeare.
Segundo sua teoria, quem foi chifrado pela rainha com o seu irmão foi o
pai de Hamlet. Assim como o próprio Shakespeare teria sido traído por seu
irmão com Anne Hathway. Muitos dos heróis de Joyce são cornos. O tema do
ciúme está presente na sua única peça “Exílio”, e no último conto “The
Dead” do livro Dublinenses. Um dos maiores contos do século XX foi levado
às telas por John Huston com o título “Os Vivos e os Mortos” (EUA 1987).
Na sua peça exílio há um simbolismo que jorra numa efusão cósmica: A pedra
(a mulher como objeto sexual, segundo Bertha da peça Exílio) que Robert
acaricia pela sua beleza, a chuva ( símbolo da fertilização), as rosas
exuberantes ( símbolo místico), etc.

No Ulisses, Joyce fala muito através dos sons. O leitor sente prazer e dor
ao ouvir o som da trombeta, o suspiros das folhas, o ruído do mar e o som
da água escoando no ralo da pia em espiral. Joyce é um alquimista da
palavra e a linguagem é o personagem principal desse imenso cipoal cheio
de ruídos e labirintos, enciclopédico romance Ulisses. “Deus é um barulho
na rua”. A história das pessoas é a história da linguagem, escreve Joyce.

Até os vinte anos, Joyce só conhecia as mulheres de prostíbulos. Nora era
uma ruiva alta iletrada de Galway que entrou definitivamente na sua vida.
No dia 10 de Junho de 1904, eles se encontram pela prima volta. Joyce
usava um boné de marinheiro e passeava na Rua Nassau calçando alpargatas,
quando encontra a camareira do Finn´s Hotel. Combinaram um encontro para o
dia 14. Nora não pareceu e recebeu um bilhete. … Gostaria de marcar um
encontro, mas poderia não lhe servir… (James Joyce – Richard Ellmann).

Outro encontro foi marcado para o dia 16 de junho. Esse encontro foi um
ponto de inflexão na vida de Joyce. Ele deixava a solidão que o perseguia
desde a morte de sua mãe e encontrava a mulher de sua vida. Stephen
Dedalus é o seu alterego e sofre com a consciência pesada no Ulissses por
não ter rezado no leito da morte da mãe. Nora deu a Joyce segurança,
confiança e ternura que ele precisava para escrever sua obra genial. E
inspiração para Gretta Conroy em The Dead, Bertha em Exiles, Molly Bloom
em Ulissses a Anna Lívia Plurabelle em Finnegans Wake.

Joyce passou a maior parte de sua tumultuada e sacrificada vida no exílio.
Trieste, norte da Itália (1904-1914), Zurique – Suiça, onde ele foi
sepultado (1915-1920 e 1939- 1941) e Paris (1920- 1939), cidade onde foi
lançado o Ulisses em 1922.

Nora Barnacle e James Joyce

Um encontro comum. Um dia comum. Assim acontece o dia de Bloom. Nora era
uma mulher simples e só tinha instrução primária, não entendia de
literatura, nem tinha poder de introspecção. Até os 13 anos freqüentou a
escola de um convento católico e depois foi trabalhar como porteira de um
outro convento. Antes de Joyce, Nora conheceu outro menino de quem ela
gostava muito, seu nome era Michael (Sonny) Bodkin. Nós íamos à loja do
pai dele para um pêni de balas de conversa os doces chatos com versinhos
neles ( tipo eu te amo e eu quero te ver essa noite ). Sonny morreu muito
cedo (R. Ellmann op. Cit. ).

Depois ela conheceu William Mulvey em Galway City, com quem se encontrava
às escondidas por causa do seu tio Tommy Healy. Uma noite leva uma surra
de seu tio, ao ser apanhada na rua, e resolve ir para Dublin, deixando o
tio bruto e a religião opressora.

No dia 15 de Agosto de 1904 ele escreve:

Minha querida Nora,

Neste instante soou uma hora. Cheguei em casa às onze e meia. Desde então
estou sentado numa poltrona como um bobo. Não pude fazer nada. Não escuto
nada a não ser a tua voz. Sou como cretino a ouvir-te chamar-me “querido”
. Quando estou com você deixo a lado da minha natureza desdenhosa e
desconfiada. Queria sentir sua cabeça no meu ombro agora. Acho que vou
para a cama.

Jim

À medida que Joyce foi se aproximando de Nora começou a sentir medo de
revelar o seu lado obsceno e bestial, de quando era um frequentador
assíduo dos bordéis. No encontro do dia 16 eles foram até o Parque
Ringsend. Nora desabotoou as calças de Joyce e tocou profundamente no seu
sexo num rito iniciático, “blooming”.

“Como odeio Deus e a morte, como gosto de Nora.”

Joyce deixava a sua imensa solidão e estava apaixonado. Bloom era a morte
que prevalecia na decadente Irlanda de 1904. Nora era a vida nova que
chegava. Um antídoto contra a solidão e paixão que sentia para consigo
mesmo.
O protagonista do Ulisses Leopold Bloom também se masturba na praia. Na
correspondência “one way” que ia se estabelecer entre Nora e Joyce (uma
das poucas cartas que Nora lhe escreve é copiada de um livro), ele
pergunta a ela se alguém a masturbou. … “Eu sei que fui o primeiro homem
que te comeu, mas será que nenhum homem jamais te masturbou? Aquele rapaz
que você amava não fez isso contigo?”

No período de 1904 – 1912 James Joyce escreve muitas cartas a Nora “sua
menininha do convento”, falando da sua solidão e produção literária.
Cartas íntimas, pornográficas e reveladores de uma complexa mente urdida
na literatura. Nada era perdido para Joyce. Para nos leitores de Joyce,
também nada é perdido quando escrito com as vísceras e pulsão de um dos
maiores escritores de sempre. Joyce e nora tiveram dois filhos. George e
Lucia. Vinte e sete após o encontro epifânico eles se casariam. As cartas
de Joyce a Nora foram publicadas no Brasil pela primeira vez pela Massao
Ohno – Roswitha Kempt Editores 1982, com tradução da Mary Pedrosa. A
seguir uma das belas cartas dessa inestimável correspondência.

2 December 1909: 44 Fontenoy Street, Dublin.
My darling

I ought to begin by begging your pardon, perhaps, for the extraordinary
letter I wrote you last night. While I was writing it your letter was
lying in front of me and my eyes were fixed, as they are even now, on a
certain word of it. There is something obscene and lecherous in the very
look of the letters. The sound of it too is like the act itself, brief,
brutal, irresistible and devilish.
Darling, do not be offended at what I wrote. You thank me for the
beautiful name I gave you. Yes, dear, it is a nice name ‘My beautiful wild
flower of the hedges! My dark-blue, rain-drenched flower!’. You see I am a
little of the poet still. I am giving you a lovely book for a present too:
and it is a poet’s present for the woman he loves. But, side by side and
inside this spiritual love I have for you there is also a wild beast-like
craving for every inch of your body, for every secret and shameful part of
it, for every odour and act of it. My love for you allows me to pray to
the spirit of eternal beauty and tenderness mirrored in your eyes or to
fling you down under me on that soft belly of yours and fuck you up
behind, like a hog riding a sow, glorying in the open shame of your
upturned dress and white girlish drawers and in the confusion of your
flushed cheeks and tangled hair. It allows me to burst into tears of pity
and love at some slight word, to tremble with love for you at the sounding
of some chord or cadence of music or to lie heads and tails with you
feeling your fingers fondling and tickling my ballocks or stuck up in me
behind and your hot lips sucking off my cock while my head is wedged in
between your fat thighs, my hands clutching the round cushions of your bum
and my tongue licking ravenously up your rank red cunt. I have taught you
almost to swoon at the hearing of my voice singing or murmuring to your
soul the passion and sorrow and mystery of life and at the same time have
taught you to make filthy signs to me with your lips and tongue, to
provoke me by obscene touches and noises, and even to do in my presence
the most shameful and filthy act of the body. You remember the day you
pulled up your clothes and let me lie under you looking up at you as you
did it? Then you were ashamed even to meet my eyes.
You are mine, darling, mine! I love you. All I have written above is only
a moment or two of brutal madness. The last drop of seed has hardly been
squirted up your cunt before it is over and my true love for you, the love
of my verses, the love of my eyes for your strange luring eyes, comes
blowing over my soul like a wind of spices. My prick is still hot and
stiff and quivering from the last brutal drive it has given you when a
faint hymn is heard rising in tender pitiful worship of you from the dim
cloisters of my heart.
Nora, my faithful darling, my sweet-eyed blackguard schoolgirl, be my
whore, my mistress, as much as you like (my little frigging mistress! my
little fucking whore!) you are always my beautiful wild flower of the
hedges, my dark-blue rain-drenched flower.
JIM

Leia aqui em Espanhol:
2 de diciembre de 1909
44 Fontenoy Street, Dublín

Querida mía, quizás debo comenzar pidiéndote perdón por la increíble carta
que te escribí anoche. Mientras la escribía tu carta reposaba junto a mí,
y mis ojos estaban fijos, como aún ahora lo están, en cierta palabra
escrita en ella. Hay algo de obsceno y lascivo en el aspecto mismo de las
cartas. También su sonido es como el acto mismo, breve, brutal,
irresistible y Nora Barnaclediabólico.

Querida, no te ofendas por lo que escribo. Me agradeces el hermoso nombre
que te di. ¡Si, querida, “mi hermosa flor silvestre de los setos” es un
lindo nombre! ¡Mi flor azul oscuro, empapada por la lluvia! Como ves,
tengo todavía algo de poeta. También te regalaré un hermoso libro: es el
regalo del poeta para la mujer que ama. Pero, a su lado y dentro de este
amor espiritual que siento por ti, hay también una bestia salvaje que
explora cada parte secreta y vergonzosa de él, cada uno de sus actos y
olores. Mi amor por ti me permite rogar al espíritu de la belleza eterna y
a la ternura que se refleja en tus ojos o derribarte debajo de mí, sobre
tus suaves senos, y tomarte por atrás, como un cerdo que monta a una
puerca, glorificado en la sincera peste que asciende de tu trasero,
glorificado en la descubierta vergüenza de tu vestido vuelto hacia arriba
y en tus bragas blancas de muchacha y en la confusión de tus mejillas
sonrosadas y tu cabello revuelto. Esto me permite estallar en lágrimas de
piedad y amor por ti a causa del sonido de algún acorde o cadencia musical
o acostarme con la cabeza en los pies, rabo con rabo, sintiendo tus dedos
acariciar y cosquillear mis testículos o sentirte frotar tu trasero contra
mí y tus labios ardientes chupar mi pija mientras mi cabeza se abre paso
entre tus rollizos muslos y mis manos atraen la acojinada curva de tus
nalgas y mi lengua lame vorazmente tu sexo rojo y espeso. He pensado en ti
casi hasta el desfallecimiento al oír mi voz cantando o murmurando para tu
alma la tristeza, la pasión y el misterio de la vida y al mismo tiempo he
pensado en ti haciéndome gestos sucios con los labios y con la lengua,
provocándome con ruidos y caricias obscenas y haciendo delante de mí el
más sucio y vergonzoso acto del cuerpo. ¿Te acuerdas del día en que te
alzaste la ropa y me dejaste acostarme debajo de ti para ver cómo lo
hacías? Después quedaste avergonzada hasta para mirarme a los ojos.
¡Eres mía, querida, eres mía! Te amo. Todo lo que escribí arriba es sólo
un momento o dos de brutal locura! La última gota de semen ha sido
inyectada con dificultad en tu sexo antes que todo termine y mi verdadero
amor hacia ti, el amor de mis versos, el amor de mis ojos, por tus
extrañamente tentadores ojos llega soplando sobre mi alma como un viento
de aromas. Mi pija está todavía tiesa, caliente y estremecida tras la
última, brutal embestida que te ha dado cuando se oye levantarse un himno
tenue, de piadoso y tierno culto en tu honor, desde los oscuros claustros
de mi corazón.
Nora, mi fiel querida, mi pícara colegiala de ojos dulces, sé mi puta, mi
amante, todo lo que quieras (¡mi pequeña pajera amante! ¡mi putita
folladora!) eres siempre mi hermosa flor silvestre de los setos, mi flor
azul oscuro empapada por la lluvia.
(http://www.tijeretazos.net/N001/Joyce/Joyce001.htm)
JIM

Ouça aqui na voz do ator Caco Ciocle, a pedido da Revista Bravo, na
tradução recente da editora Iluminuras com organização e tradução do
Sergio Medeiros e Dirce Waltrick do Amarante, 2012.
http://bravonline.abril.com.br/materia/desejos-expressos

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dia 29 de Outubro - Dia Nacional do Livro


Você sabe por que comemoramos o dia Nacional do Livro no dia 29 de outubro? Por que foi nesse dia, em 1810, que a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil, quando então foi fundada a Biblioteca Nacional e esta data escolhida para o DIA NACIONAL DO LIVRO.

O Brasil passou a editar livros a partir de 1808 quando D.João VI fundou a Imprensa Régia e o primeiro livro editado foi "MARÍLIA DE DIRCEU", de Tomás Antônio Gonzaga.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ivo Filho, A poesia dos primórdios


O Doutor FRANCISCO IVO CAVALCANTI foi uma daquelas pessoas que viveram para cumprir missões. Nascido no Século XIX, no segundo semestre de 1885 ou 1886 (há imprecisão), sendo filho de Ivo Cavalcanti de Andrade, o que lhe valeu adotar o nome artístico de Ivo Filho e de Dona Vitalina Evangelista Cavalcanti.
Sobre a sua personalidade, os contemporâneos lhe atribuem predicados de homem ameno, culto e decidido, intransigente na defesa dos seus clientes. Em particular, registro o comentário do insigne causídico João Medeiros Filho, que resume todo o seu ser: “culto, desprendido, corajoso, só enxergando no processo o seu patrocinado, em favor de quem recorria a todos os meios honestos atento à máxima – o dever do advogado é salvar o cliente”.
Sua trajetória de cultura começou muito cedo, quando se diplomou professor em 1910, proferindo aulas particulares, montando um Curso com o Dr. Luiz Antônio, lecionando inúmeras disciplinas, como português, francês, aritmética, álgebra, geometria, geografia, história geral e do Brasil. Sua fama lhe outorgou o título de “Mestre Ivo”. Foi professor da Escola Normal e do Atheneu. Depois de formado foi nomeado para a Faculdade de Direito da UFRN, não tomando posse em razão da idade, mas mesmo assim, mereceu a homenagem de Professor Emérito em 1961.
Ultrapassou a idade bíblica em mais 13 anos, com vida intensa, ocupando inúmeros cargos e funções públicas e desenvolvendo o magistério particular e público até obter o grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais – turma 1923, na Faculdade do Recife, quando então passou a dedicar-se integralmente ao novo ministério. Nessa profissão notabilizou-se por ter sido um dos fundadores da nossa Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte e seu primeiro presidente.
            Contudo, há um lado especial que desenvolveu com invulgar talento, calcado em sua cultura geral, mercê de uma rica biblioteca – as manifestações intelectuais como poeta, trovador, escritor, dramaturgo, ator, compositor, jornalista (A República, Diário de Natal e A Razão), político, teatrólogo, adotando dois pseudônimos, como era comum naquela época: Ivo Filho e Dinorah dos Santos.
Escreveu para o Teatro e foi letrista de modinhas famosas, sempre cantadas obrigatoriamente nas serenatas – Melancolia, em parceria com Miguel Pio (1912) e Súplica, com o parceiro Olympio Baptista Filho (1909), que mereceu uma gravação pela UFRN no ano de 1983, com a cantora Fátima Brito.
            Obra literária: estréia como poeta em 1906 com Crisântemos. Depois, seguidamente, Sônia, O Além, Degenerado, A infâmia é irremediável, Esses primos..., O flagelo, O motim, Em apuros, Sopa no mel, O jovem, Renúncia, Cartas para a eternidade, em 1947, Contos & troças-loucuras (em parceria com Jorge Fernandes).
                        As apresentações aconteciam, tanto no Teatro Carlos Gomes, quanto nos armazéns da Rua do Comércio, depois Rua Chile, através dos autores e atores natalenses e integrantes do ”Gymnasio Dramático de Natal” na condição de escola de teatro, inspirado no similar do Rio de Janeiro e, entre os artistas atuava Ivo Filho, juntamente com Luís Carlos Lins Wanderley, Joaquim Fagundes, Manoel Segundo Wanderley, Henrique Castriciano de Sousa, Isabel Urbana de Albuquerque Gondim, Ezequiel Wanderley, Stela Wanderley, Virgílio Trindade, Jorge Fernandes, Deolindo Lima e Joaquim Scipião, dentre outros.
Marcando o seu espírito pioneiro, foi, também, fundador da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras ocupando a cadeira 24, (que pertenceu ao seu amigo e parceiro Gotardo Neto). Criou a Oficina Literária “Lourival Açucena”, contando com a participação de grandes valores da terra, como Alberto Maranhão, Gotardo Neto, Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Ezequiel Wanderley, José da Penha, Pedro Alexandrino, Antônio de Souza, Pinto de Abreu, Ponciano Barbosa, Angione Costa, Jorge Fernandes, José Gobat, Josué Silva, Antônio Glicério, João Estevão, dentre outros.
            Ingressou na Maçonaria Potiguar – lojas “21 de Março” e “Evolução 2”, logrando o grau máximo.
Em 1968 foi o apresentador da obra de Câmara Cascudo – O tempo e eu, editado pela UFRN. Nessa apresentação teceu os comentários, aqui transcritos em resumo:
“ I – Vivo fosse o professor Pedro Alexandre, não a mim caberia fazer esta apresentação ... II – Morto já, o seu primeiro professor, a mim coube a honra da distribuição dessa incumbência, pelo fato de haver sido o seu segundo, pelos idos de 1914...”
            Foi chamado de volta pelo Criador e virou estrela em Natal no dia 11 de março de 1969, deixando na memória de todos e na minha, em particular, aquela festejada casa da Avenida Rio Branco, parte integrante da geografia sentimental de Natal, onde viveu seus melhores momentos e por onde eu circulava todas as tardes, vindo do Ginásio Natal, do Professor Severino Joaquim da Silva, onde hoje existem as “Lojas Americanas”. É nome de rua na Redinha, em cujas águas bebeu inspiração.
            Neste ensejo, em sua homenagem, a família reedita “Crisântemos”, com revisão do descendente Ivo Netto, obra da qual tenho a honra de fazer esta orelha.
A propósito, ao concluir o exame do texto, me foi enviado para alguma sugestão, no que respondi:
 
Nada tenho a dizer sobre os versos feitos,
Pois no sentir dos mesmos não encontrei defeitos
Que pudessem merecer qualquer reparo.
 
Sinto-me honrado, em poder revê-los,
Na mesma proporção em que o desvelo
Inspirou um Mestre em seu regalo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Zila Mamede por Zila Mamede.

Esta publicação é uma homenagem à
Zila Mamede, maior nome da poesia
norteriograndense, que gravou o
Memória Viva em 1983, e morreu nas
águas do Potengi em 1985;
o jornalista, fotógrafo e professor
Carlos Lyra, criador do Memória Viva,
que anda esquecido, injustamente
e o Jurista e editor Pedro Simões, que
publicou Zila Mamede e muitos
outros escritores do RN.

Abimael Silva

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

2 Histórias de Abimael Silva - Por Cellina Muniz

HISTÓRIAS DE ABIMALEK (1)
Além de sebista e editor, ele era um ótimo contador de histórias. Era narrador fazendo uma cobrança, era narrador pedindo a cerveja, era narrador relatando leituras. Ele era “o” narrador, daqueles do quilate de Cascudo, concluíam alguns enquanto o ouviam contando um de seus causos.
Naquele começo de noite de lua nova, por exemplo, o tema era de uma convergência bastante interessante: pichação e escola. Essa história ele narrou no lançamento das “Conferências no Colégio do Atheneu”, o número 342 da sua coleção João Nicodemos de Lima, num fim de tarde na Revistaria Atheneu.  Ao seu redor, sete ou oito pessoas (vice-diretor, professora, vereadora e não sei mais quem, além de Alice N. e do poeta em processo, fiel escudeiro). Ficaram todos calados e atentos, deleitados com a narrativa do sebista-editor, dinossauro da geração de primeiros livreiros, último representante de uma classe que remonta ao século XVIII...
 Mas eis a história (como contá-la tentando aquela narrativa?):
Nos seus tempos de pichador, anos atrás, quando ainda ensaiava os primeiros passos como sebista, saía anarquizando na sua bike pelas noites tediosas de domingo na pacata capital potiguar. Carlos Eduardo nem sonhava em ser prefeito e o boy ganhava certas madrugadas com uma lata de spray por dentro da camisa, pedalando à cata de muros onde pudesse fazer sua publicidade e apresentar-se ao mundo natalense:
SEBO VERMELHO: TRANSA FIADO, NO PAU OU FAZ TROCA-TROCA
Pois numa daquelas noites tediosas, quando começava na TV o Fantástico, doido para errar, sacou de sua lata (ou tala, na linguagem dos pichadores) e partiu na sua magrela. Pedalou da Cidade da Esperança até Petrópolis, quando deu de cara com o muro da esquina do Atheneu, simplesmente a instituição de ensino de mais tradição na cidade. Nem é preciso pensar nos nomes de quem passou por lá. Inclusive o jovem e iniciante sebista à época.
Anos depois do episódio, naquele começo de noite de lua nova das Conferências reeditadas, todos olharam imediatamente para o muro. Um muro alto, com três janelões, limpo e ostensivo. Imaginaram, então, como seria convidativo quando antes das atuais grades no muro da escola.
Depois de pichar sua publicidade, pensou o animal – “já trabalhei, agora é hora do lazer. O que é que eu vou pichar?” E como estivesse indignado com o Alfabeto da Xuxa, que naqueles anos de 1980 bombardeava as crianças e todos os demais para que tudo fosse grafado com x, resolveu poetar nas paredes da nobre casa do saber:
A XOTA
DA XUXA
É XUJA
Acontece que na época do ocorrido, segundo ele contou (com  olhos muito azuis por cima dos óculos), atuava na escola um certo professor que, clandestinamente, era dotado da singularidade de ter como apelido também o designativo de Xuxa, certamente por conta de critérios de ordem sexual.
O fato é que tal professor vestiu a carapuça e, alguns dias depois, foi bater lá no Sebo. Escrachou com o aprendiz de pichador: segundo o sebista-editor-narrador-pichador, o professor reconheceu o autor dos escritos infames pela letra (também infame): “Esse foi meu aluno!”
Xujou, Abimalek!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A Ultima Sinfonia de Caetano Seboso

O cantor e compositor Gilberto Gil gravou hoje um depoimento de apoio a dois candidatos do PT: Fernando Haddad, que concorre à Prefeitura de São Paulo, e Nelson Pelegrino, que disputa o cargo em Salvador.
Os vídeos foram gravados na casa do compositor e devem ir ao ar nos próximos dias. A declaração de apoio de Gil a Pelegrino acontece três dias depois de Caetano Veloso ter dito que preferia a vitória de ACM Neto (DEM) na capital baiana.
O candidato do DEM é neto do senador Antonio Carlos Magalhães, que apoiou a ditadura militar e foi, por anos, a maior liderança política da Bahia.
"Eu prefiro que ele [ACM Neto] ganhe. Logo eu, que passei a vida inteira me opondo ao avô dele", disse Caetano na terça-feira (16), após show em homenagem a Ulysses Guimarães em Brasília.
Gil, que foi ministro da Cultura durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participou do show ao lado do amigo na terça.

Para o Mano Caetano

O que fazer do ouro­de-tolo quando um doce bardo brada à toda a brida, em velas pandas, suas esquisitas rimas?
Geografia de verdades, Guanabaras postiças saudades banguelas, tropicais preguiças? A boca cheia de dentes de um implacável sorriso morre a cada instante que devora a voz do morto, e com isso, ressuscita vampira, sem o menor aviso.
A voz do morto que não presta depoimento perpetua seu silêncio de esquecimento na lápide pós ­ moderna do eterno desalento:
E é o Raul, é o Jackson, é o povo brasileiro. É o hip hop, a entropia, entropicália do pandeiro do passado e do futuro, sem presente nem devir.
É o puteiro que os canalhas não conseguem habitar mas cafetinam. É a beleza de veludo que o sub-mundo tem pra dar mas os canalhas subestimam.
E regurgitando territórios-corrimões de um rebolado agonizante resta o glamour fim-de-festa-ACM de um império do medo carnavalizante.
Será que a hora é essa? A boca cheia de dentes vaticina: Não pros mano, Não pras mina. Sim pro meu umbigo, meu abrigo minhas tetas profanadas, Santo Amaro. Doce amaro, vacas purificadas.
Amaro bárbaro, Dândi-dendê. Minhas narinas ao relento cumulando de bundões que, por anos acalento. Estes sim, um monte de zé ­ mané que sob minha égide se transformam em gênios sem quê nem porquê.
Sobrancelho Victor Mature, delineando darravento. Eu americano? Não! Baiano! Soy lobo por ti Hollywood quem puder me desnature sob o sol de Copacabana. E eu soy lobo-bolo? Lobo-bolo. Tipo, pra rimar com ouro-de-tolo?
Oh, Narciso Peixe Ornamental! Tease me, tease me outra vez ou em banto baiano. Ou em português de Portugal. Se quiser, até mesmo em americano de Natal. Isso é língua! Língua é festa! Que um involuntário da fátria com certeza me empresta.
Numa canção de exílio manifesta, aquele banzo baiano. Meu amado Caetano, me ensinando a falar inglês, London, London. E verdades, que eu, Lobón contesto, como empolgado aprendiz, enviando esta aresta a quem tanto me disse e diz:
Amado Caetano: Chega de verdade! Viva alguns enganos! Viva o samba, meio troncho, meio já cambaleando. A bossa já não é tão nova como pensam os americanos.
A tropicália será sempre o nosso Sargeant Pepper pós baiano!
O Roque errou, você sabe disso. Digo isso sem engano. E eu sei que vou te amar, seja lá como for, portanto um beijo no seu lado super bacana. Uma borracha no dark side-macbeth-ACM por enquanto.
Ah! Já ia me esquecendo. Lembranças do Ariano.
Lupicínias saudações aqui do mano!
Esta bala perdida que te fala, rapá!
Te amo, te amo

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Poeta convida todo mundo para fazer aquele 69 lá no beco da lama.


FALVES SILVA 69 ANOS DE POESIA

 Pintor surrealista em 1966, poeta/processo a partir de 1967, Falves Silva, em apenas dez anos de atividades experimentais no interior de uma forte especulação (anti)literária, conseguiu se firmar como um dos maiores produtores contraculturais brasileiros do momento. Seus poemas e sua lucidez crítica e produtiva colocam-se no centro da vanguarda a mais militante possível, entre nós, de Anchieta Fernandes a J. Medeiros, de Dailor a Wlademir Dias-Pino. (...) E Falves Silva é um produtor, com os olhos voltados para o alcance (estético) da produtividade, seja em sua vertente formalista, seja em sua  vertente estrutural. (...) Falves Silva é um produtor, repitamos:  ele não “cria” poemas, o que seria cair no vício humanista da “criação” idealizada segundo padrões acadêmicos; ele produz  poemas, o que implica a materialização de linguagens que existem dentro de um contexto social determinado.  O poema, materialmente proposto, tem uma vigência histórica que é também cultural.”

MOACY CIRNE,
em A POESIA E O POEMA DO RIO GRANDE DO NORTE (Natal:  Fundação José Augusto, 1979, p. 33-36)




terça-feira, 2 de outubro de 2012

FERIADO DE 3 DE OUTUBRO É INSULTO A INDÍGENAS - Alípio de Sousa Filho

Causa espanto saber que a Assembleia Legislativa do Estado aprovou por unanimidade e a governadora sancionou lei criando o feriado estadual de 3 de outubro para culto público e oficial dos chamados mártires de Uruaçu e Cunhaú. A lei estadual 8.913, de 6 de dezembro de 2006, é um insulto aos nossos indígenas de ontem e de hoje, e um atentado aos princípios do Estado laico. Inconcebível que seja o próprio Estado a colaborar com a Igreja Católica nos seus intentos de criar beatos, santos, mártires, milagres etc. a partir de qualquer história forjada e narrada como se quer. O que se chama de massacre dos mártires de Uruaçu e Cunhaú (mártires católicos!, pois do outro lado estavam protestantes holandeses e indígenas) é fato ocorrido no século XVII, e não difere de outras situações que o território brasileiro conheceu, em todas as partes, no período colonial. No fundo, o que se visa exaltar é a fé católica que, nesse mesmo período histórico, foi responsável pela morte de milhões de indígenas. Os tapuias e potiguares que habitavam a região e que, ao lado de holandeses calvinistas, figuram na narrativa construída sobre o tal martírio, que agora se visa cultuar, faziam parte da grande civilização indígena aqui existente que, pela catequese cristã e predominantemente católica, viu ser dizimados três milhões de seus integrantes nos três primeiros séculos da colonização. Que cidadãos, isolados ou em grupos organizados, queiram praticar suas crenças, organizar e participar de romarias (a cavalo, em paus-de-arara, bicicletas, motos, carros ou a pé), que as igrejas, incluindo a dos católicos, queiram difundir suas crendices, incluindo inventar milagres e os santos milagreiros, que o façam no usufruto dos direitos que são os seus. Todavia, o Estado não pode ser cúmplice do absurdo que é tornar feriado um dia da semana para culto de uma narrativa que insulta os indígenas de ontem e de hoje. Os Poderes Legislativo e Executivo estaduais, com a criação do feriado de 3 de outubro, dão mostras que não praticam a laicidade exigível desses Poderes no âmbito da esfera pública e estatal e confirmam que, no Brasil, o Estado, longe de ser laico, permanece vergonhosamente submetido, pelas mãos de seus dirigentes, aos ditames e interesses de igrejas e religiões. Os interesses da Igreja Católica (ou de qualquer outra) não podem ser colocados acima do caráter universalista que o Estado está obrigado a preservar para permanecer como esfera autônoma, independente. Esta que é a única condição do Estado poder legitimamente representar a sociedade como um todo e agir pela sua emancipação social, livrando-a do domínio de crenças sem fundamentos que se tornam obstáculos aos seus avanços culturais, sociais. No Brasil, são inúmeros os exemplos de ações das igrejas, contrariando a implementação de medidas emancipatórias pelo Estado.

Multinacional capitalista, que enriquece com a mais-valia da fé alheia explorada, mas continuamente sedenta de criar santos e milagres para a conservação do seu domínio sobre uma população pobre e abandonada à sua própria miséria (emocional, cultural, econômica), a Igreja Católica não pode contar com a cumplicidade dos dirigentes do Estado para realizar seus intentos. O fato representa uma tomada de posição desses dirigentes em favor de um segmento da sociedade, e apenas de um de seus segmentos, ferindo o princípio da laicidade e da universalidade de valores a predominar e a ser preservado pelo Estado no âmbito das decisões político-públicas.

Se há algo a ser feito sobre o que se passou em 1645 é o Estado narrar a tragédia de nossos indígenas, vencidos pela violência, dividindo-se, em desesperadas estratégias, entre os colonizadores.

Alípio de Sousa Filho é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Medíocres e perigosos

O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
 Para ele, tudo o que é diferente tem potencial de destruição
Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um vencedor.
A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – e cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros cresceram em meios menos abastados – e bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não chegou aonde chegou – sozinho, frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou falidos, não importa: o reacionário clássico enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição. Por isso se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para tirar seus direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar familiares e ameaçar os seus (porque os seus nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e, portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
 O reacionário vive com medo. Mas não é inofensivo. Foto: Galeria de GorillaSushi/Flickr
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo – que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação, os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes (“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
 
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende o conceito de família. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por política. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia, são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas para condenar a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.

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