sábado, 26 de março de 2011

ABC do Cantador Clarimundo



NEWTON NAVARRO canta no “ABC DO CANTADOR CLARIMUNDO” uma existência humana e coletiva que vive o destino genérico da região. O poema resume as vozes tradicionais da terra na autenticidade de um símbolo palpitante.
Sempre esperei que a poesia do Povo conquistasse a sensibilidade do Poeta da Cidade. Por mais ampla e nobre que seja a mentalidade, esta se expressava nas formas habituais, na obediência dos ritmos e dos processos plasmadores da inspiração. Cantando o povo o Poeta não renuncia ao instrumental erudito de sua simpatia. É como um Stradivarius gemendo a toada ingênua dos sertões. Só a creio leal e completa quando transmitida pela rabeca posta na altura do coração, como faziam os Menestréis e não abaixo tal qualmente os violinistas. O Povo espera que o Poeta o entenda, cantando-o no seu vocabulário e não traduzindo-o para a linguagem acadêmica. Clássico, em sua pureza mnemônica, o povo tem o direito desta conquista. Não quer ser um motivo e sim uma presença, radicular, completa, legitimadora. Sonha que o Poeta viva os seus temas de ambiente e sugestões, usando a cadência popular, a fala sonora, a técnica secular que resiste, soberba a alta, na língua e predileção coletivas.
Há sempre uma vaidade letrada e citadina de “criar” para o Povo um teatro, uma poesia, uma lógica, uma história. O Povo guarda justamente o direito destas posses memoráveis. Tem seu teatro nos autos de danças dramáticas, sua poesia, sua lógica, perene, maior, e menor sua História, contadas pelos seus cronistas em sextilhas, decimais e quadras, na simplicidade das velhas crônicas de outrora. Ramos abdicam a roupagem literária e habitual, quando estudam o Povo. Querem torná-lo apenas uma peça anatômica, fácil e apta para qualquer classificação. O espírito, a cultura, alma do Povo, não cabem docemente nas mil gavetinhas de um fichário de doutrina literária. Não a podemos arrancar, viva, de seu organismo poderoso. Conseguimos apenas manipular matéria morta. Fazer arqueologia da sensibilidade.
Por isso, João Cabral de Melo Neto criou, vivendo nas cores naturais, a linda “Morte e Vida Severina”. Por isso, louvo este “ABC DO CANTADOR CLARIMUNDO”, de NEWTON NAVARRO.
Creio que reservas inesgotáveis de lirismo, de percepção e descobrimento para um mundo novo estão dormindo nos ritmos e no vocabulário poético de nosso Povo. Todo aquele mundo despertará em sonoridades e transformações imprevistas quando o Príncipe chegar, vareando o mato, e acordar a Princesa que dorme nas violas, nos rojões, nas estórias, nos “romances”nos oito e dez pés em quadrão, narrativas em decimais, marcos e desafios... Será uma verdadeira jornada à prol do Comum. Volta ao material, regresso às fontes. Foi o que Newton NAVARRO fez.
Agora, a invenção começou. Clarimundo está dizendo as primeiras palavras prologais.
Creio que a cultura popular renovará a face monótona da criação letrada e urbana. Escreverão teatros para os mamulengos. Comporão músicas para as violas enfeitadas de fitas. O “romance”voltará ao seu trono. Os anjos, demônios e guerreiros retornarão para o palco, dominadores. Não apenas o cantador, embaixador do Sertão, cantará na televisão e nas alturas melancólicas dos arranha-céus, mas os nossos Poetas encontrarão o caminho da graça popular, do dramático e do cômico populares, e a recreação será espantosa e aterradora de envolvência, de sedução e de vida nova...
NEWTON NAVARRO lê e sabe todas as Poesias. Já pôs os olhos numa boa das Sete Partidas deste Mundo de meu Deus. Escolheu neste pema uma das horas mais sonoras de sua inteligência. Uma consagração tranqüila e emocional, molhando de ternura seus versos, como aquele ANJO FEITO SERENO, levando para os Céus a alma de Clarimundo...

Luis da Câmara Cascudo


Lançamento dia 31 de março no evento Navarro na Veia - UFRN
As ilustrações do livro são de autoria do artista plástico Fábio Eduardo

Nenhum comentário:

Postar um comentário