sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

FIM DE FESTA MELANCÓLICO




Michelle Ferret - Repórter

“Tenho a sensação de um aborto”, descreveu o ator e professor de artes cênicas Jonas Sales ao receber a notícia de que a Festa do Menino Deus (auto de natal promovido pela Fundação José Augusto) não aconteceria mais. Depois de seis meses de produção e quase dois de trabalhos cênicos diários, a Fundação José Augusto precisou interromper a festa alegando falta de verba.
Jonas, assim como os mais de 150 artistas que participavam da preparação da Festa, sentiram na pele a ausência de uma política cultural sólida e planejada. “A partir do momento que um governo desmonta um espetáculo quando está prestes a estrear, a sensação é essa, de perda, de desolamento. Estamos desolados enquanto artistas”, desabafou Jonas.

A notícia veio através do próprio diretor da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, que na tarde da última terça-feira foi até o ensaio explicar o que havia acontecido. “O orçamento do espetáculo era de R$ 500 mil reais e entramos com a solicitação de recursos ao conselho de desenvolvimento do Estado pois não tínhamos mais verba na Fundação e o pedido nos foi negado. Não posso fazer julgamento de valor, me cabe apenas dizer que não foi liberado. Esse é um reflexo da dificuldade financeira que o Estado vem passando. Mas não é só aqui, isso está acontecendo em todo o Brasil e no mundo. E em cultura, infelizmente temos que lidar com isso. Se tira verba da cultura para suprir as necessidades das outras áreas como saúde e educação”, disse Crispiniano em entrevista ao VIVER.

A realidade também bateu na porta de outros projetos da cidade como o Seis e Meia que precisou ser interrompido em outubro. “Suspendemos o projeto de outubro, novembro e dezembro e estamos lutando para pagar o que devemos para os músicos”, disse Crispiniano.

A Fundação José Augusto teve em mãos este ano R$ 22 milhões, sendo R$ 18 milhões destinados a suprir custos internos do órgão. “Nossa luta é que seja concretizada a nova proposta no Governo Federal de implementar a lei de destinar 1,5% do orçamento da união para os estado. “Se for concretizado, passaremos de R$ 22 milhões para R$ 110 milhões de verba anual destinado a cultura do RN. Isso modificará completamente este quadro difícil que temos hoje. Aí sim poderemos planejar uma política cultural mais sólida. Ao contrário é a eterna mendicância, vamos mendigar recursos a vida inteira. Isso é massacrante, é cruel”, desabafa.

Além de gestor, Crispiniano é também autor de textos literários e diz sentir a mesma perda de Jonas (o ator citado no início da matéria). “Ontem, conversando com os atores, eu senti a mesma estranheza de quando há 4 meses eu ouvi que o Auto da Liberdade de Mossoró não seria concretizado. Eu, como autor do auto, fiquei perplexo. Posso dizer que dar essa notícia aos atores ontem foi o dia mais triste da minha gestão”, completou.

Encaixotando os figurinos

O bater do martelo anunciando o cancelamento de um espetáculo reflete em um conjunto de desilusões e desconstruções. Não só o tempo gasto com os ensaios e a construção de um personagem, mas o todo que isso envolve. “Isso fere a classe artística inteira. É muito triste ver pessoas que iniciaram agora na arte e se sentem frustradas. O espetáculo educa artista, educa público e foi muito frustrante ver aquelas pessoas tristes, chorando por isso. Foi uma das perdas mais comoventes de minha vida enquanto artista e isso inclui fortemente ver a cena dos atores, bailarinos e quadrilheiros desiludidos”, disse Jonas Sales.

Segundo João Marcelino, diretor do espetáculo, estavam envolvidos 150 artistas entre atores, cantores, quadrilheiros, técnicos, contra regras, criadores de imagem, produtores e figurinistas. “Estavam trabalhando Haroldo Maranhão na construção e desenho do cenário, Racine Santos na assinatura do texto e Danilo Guanais na construção musical. O projeto começou há seis meses. Desde a conversa com Danilo Guanais e o tempo longo para trabalhar a música, até a construção do próprio Racine e as mudanças no texto. É um processo muito intenso. Além disso, os figurinos, mais de 30 desenhados e aquarelados estão todos prontos. Quando a gente chega na parte do ator tudo isso já está levantado. E com a força de todos, Wanie Rose coreografando, a gente trabalha a tal ponto que estávamos com tudo pronto, incluindo aí adereços e figurinos”, contou João Marcelino.

Trabalho dos técnicos

Dentro dos 150 artistas estavam cinco pólos de quadrilhas estilizadas e os artistas pessoal do Circo Grock, além de atores de diferentes cidades do Rio Grande do Norte na intenção de “descentralizar” a arte. “Vieram artistas de Currais Novos, artistas de Mossoró e de outras partes, envolvendo o Estado”, disse Marcelino.

Ao todo, seriam cinco apresentações no Largo Dom Bosco que aconteceriam entre os dias 26 a 30 de dezembro. “Fizemos a escolha das datas para que não houvesse choque na programação com os outros autos”, disse João Marcelino.

Crispiniano Neto informou que a Fundação José Augusto está estudando uma forma tentar ressarcir as perdas causadas para os atores e todos os envolvidos na produção.

Fonte: Tribuna do Norte 10/12/09

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