quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A amada do Cavaleiro da Triste Figura e outras personagens femininas no Dom Quixote (1605- 1615). Por João da Mata Costa


Por amor tudo pode e adverte. Por amor Dom Quixote luta e tem motivação para viver.  Pelo amor luto contra gigantes e moinhos de vento. Tudo por ela: a minha amada. Fico louco e dou cambalhotas na razão. Cavalgo o Rocinante e luto conta as injustiças. Morro com Basílio pelo amor Quitéria. Canto com Crisóstomo o amor de Marcela. Na novela imortal Dom Quixote escrita por Miguel de Cervantes, para além da dupla genial de protagonistas masculinos, Dom Quixote e Sancho Pança e outros grandes personagens como o barbeiro Nicolau (Maese Nicolás) e o amigo do Quixote - Bacharel Sansão Carrasco - existe um grande naipe de personagens femininas na obra prima de Cervantes que são pouco comentadas na análise da obra.
Personagens chaves nas tramas das múltiplas ações na saga do nobre cavalheiro. Numa época em que os casamentos eram arranjados pelos pais - Lucinda e Quitéria -, foram obrigadas a casar respectivamente com Dom Fernando e o rico Camacho, para desgosto dos seus preferidos Cardênio e Basílio.  Outras fogem de seus pais para casar com o amado, como aconteceu com Leandra que fora enganada por um soldado e, Zoraida, que acompanhou o
capitão Rui Peres em Fuga. Na 2ª parte do Dom Quixote (1615), o cavaleiro e seu escudeiro são transformados em “Homens de Prazer” na trama armada pelos Duques, onde a donzela Altisidora tenta cortejar o fiel cavaleiro O fidalgo Dom Quixote passava dias e noites lendo até que teve seus miolos amolecidos.  Era um homem casto (“o mais casto enamorado e o mais valente cavaleiro que de muitos anos a essa parte se viu naqueles arredores.” – Prólogo) que tinha com relação à mulher pouca confiança e o sentimento da sua impenetrabilidade: Entre o sim e o não de uma mulher, disse Sancho, não me atreveria a por a ponta de um alfinete, porque certamente não caberia (I, 27). Essa é a condição natural das mulheres, disse Dom Quixote: desdenhar de quem as quer e amar quem as aborrece (I, 34). A Mulher tem naturalmente perspicácia mais rápida do que o homem para o bem e para o mal (II, 34). Quem há neste mundo que se possa gabar de ter penetrado e compreendido o pensamento confuso e a condição mutável de uma mulher?  Ninguém, por certo (I, 27). Mesmo assim e por ela, Dulcinéia del Toboso – a Soberana e alta Senhora- são todas as ações do Cavaleiro da Triste Figura. “nela eu vivo e respiro.” Aldonza Lorenzo (Dulcinea del Toboso) era uma camponesa cheirando a alho, transformada pela paixão quixotesca em uma grande dama. O que fez de uma a outra? O amor de Dom Quixote. Logicamente, ele não precisa vê-la para amar. Ela representa aquele ideal de pureza e grandeza a que todos aspiram: ela era a musa inspiradora que a fé de Dom Quixote alimentava. Em uma carta enviada a ela, ele diz:

“Se a tua formosura me despreza, se o teu valor me não vale, se os teus desdéns se apuram com a minha firmeza, não obstante ser eu muito sofrido, mal poderei com estes pesares, que, além de muito graves, já vão durando em demasia. O meu bom escudeiro Sancho te dará inteira relação, ó minha bela ingrata, amada inimiga minha, do modo como eu fico por teu respeito. Se te parecer acudir-me, teu sou; e senão faz o que mais te aprouver, pois em acabar a minha vida terei satisfeito á tua crueldade e o meu desejo. Teu ate à morte.”  Dom Quixote.

Na casa do Quixote vivia sua sobrinha e uma ama, uma espécie de governanta. As duas cuidavam dele, e tinham grandes apreensões pelos livros que lhe causavam tantos danos. Quando o Quixote ainda dormia o Padre pediu à sobrinha as chaves do aposento onde se encontravam mais de cem livros encadernados, e outros pequenos. Benzeram o aposento com água benta, e fizeram o escrutínio onde a maior parte dos livros foram condenados á fogueira.  A sobrinha e a ama eram as mais entusiasmadas com o “auto da fé” dos livros de Don Quixote e, por vontade delas, não escapava nenhum. ( I, 6).

Altisidora é uma donzela ( “pulcela” ) na corte da Duquesa, que simula está apaixonada por Dom Quixote, e morre de “melancolia erótica” na farsa burlesca planejada pelos Duques. A condição para a sua ressurreição é que Sancho deve se submeter a vinte e quatro bofetadas, doze beliscões e seis alfinetadas. Dona Rodriguez de Grijalba é a sua dama de companhia.   

Antonia, a sobrinha do Quixote, uma mulher com menos de vinte anos, que ajuda a queimar os livros do tio, na esperança de curá-lo de seus delírios (I, 6 ).  Ela nega o cavaleiro ao considerar sua missão uma cegueira e sandice de quem era velho e se julgava valente. De quem era doente e se acreditava forte, de quem se apregoava cavaleiro e não era. E de quem queria indireitar o mundo de forma torta.

Ama (a) é uma mulher que passa dos quarenta anos. Serviçal, bonachona e reverente. Ao mesmo tempo que é curiosa e intrometida.

Ana Félix Ricote é uma mulher valente, a ponto de disfarça-se para comandar um barco e retomar á Espanha para providenciar o resgate de seu noivo. Seu pai era um peregrino Mouro, amigo de Sancho.

Camila é casada com Anselmo. Lotário, grande amigo de Anselmo, tem a missão de testar a fidelidade de Camila e passa a cortejá-la.   Para azar do marido impertinente, Lotário torna-se amante de Camila com a cumplicidade da criada Leonela.  

Clara de Viedma é irmã de Rui, filha de Juan Peres, é apaixonada pelo jovem Dom Luís.  Loira de olhos negros. Mora em Madri com seus pais. 

Dorotéia é uma jovem que foi abandonada por Dom Fernando, depois de ter aceitado dormir com ele. Dom Fernando abandona a jovem morena Dorotéia, desejando se casar com Lucinda, que era loura e pura. Dorotéia é uma moça ardilosa e sobre o disfarce da princesa Micomicona vai pedir o Cavaleiro que reconquiste seu reino usurpado e a vingue de suas afrontas. Ao final consegue o que deseja e casa-se com Dom Fernando.

Duquesa ( a).  É a mulher que junto com o seu marido arma toda a farsa burlesca no seu palácio, onde tem lugar o encantamento de Altisidora que corteja Dom Quixote.  

Lucinda é uma jovem de Córdoba forçada pelos pais a casar-se com Dom Fernando, um nobre. Como passatempo ela lia livros de cavalaria (exemplo do Amadis de Gaula) e tem que rejeitar o amor de sua vida, Cardênio. Este era filho de pais nobres da Andaluzia.   Durante a cerimônia de casamento, Lucinda desmaia, e depois entra para um convento.

De Lucinda a Cardênio

“Cada dia descubro em vos valores que me obrigam e forçam a que mais vos estime; e, assim, se quiserdes quitar-me desta dívida sem me executar a honra penhorada , bem o poderei fazer. Pai tenho, que vos conhece e me quer bem, o qual, sem forçar minha vontade, cumprirá aquela que é justo que tenhais, se é que me estimais como dizeis e como eu creio.” ( I, 27 ).  

 Marcela. Por Marcela Crisóstomo morreu. Moça de grande beleza, herdeira da fortuna de um tio, teve o infortúnio de ser órfã da mãe que morreu quando do seu nascimento. Muito formosa, foi cobiçada por um jovem que por ela se apaixonou perdidamente a e  não suportou sua rejeição. Este jovem, o pastor Crisóstomo, se suicida, e deixa uma narrativa em que acusa Marcela da sua morte.

No enterro do infeliz amante, Vivaldo pergunta a Dom Quixote porque andava armado, em terra pacífica. Dom Quixote falou da beleza, grandeza e necessidade da cavalaria andante no mundo, oficio por meio do qual a espada e a lança executam na Terra a justiça de Deus.  Os amigos de Crisóstomo, jovens igualmente levados pelos ideais pastorais literários, querem puni-la. Mas, quando eles estão reunidos contando a Dom Quixote como ela é má e destruidora, Marcela aparece e lhes faz um discurso em que prova que, por ser amada de Crisóstomo, ela não tem que ceder aos seus pedidos. Por ser mulher, não tem que necessariamente casar-se para buscar proteção. Ela afirma sua liberdade de ir e vir, desimpedida, e de cuidar de seus afazeres, de sua fazenda, sem ter que estar com um homem ao seu lado.

Maritornes é uma criada asturiana, feia, mas “a galhardia do corpo supria as outras faltas.” Era a empregada na primeira venda (hospedaria) em que Dom Quixote se hospeda, pensando ser um castelo.  Maritornes tinha cara larga, pescoço curto e nariz achatado, cega de um olho e do outro não muito sã.  Não media nem sete palmos dos pés a cabeça, e as costas, um tanto encurvadas, faziam com que olhasse para o chão mais do que quisera (I , 16).   O Dom Quixote chega na venda / castelo todo moído depois de uma batalha,  e a Vendeira e Maritornes deitam o cavaleiro e o emplastam. O Cavaleiro pratica a virtude da continência sexual, fiel à sua decantada Dulcinéia.  À noite Maritornes vem em busca de um arrieiro que ali se hospedava e por engano chega ao leito do Quixote que dormia logo à entrada do estrelado estábulo.  A confusão foi armada e o contundido cavaleiro leva é esmurrado por um enciumado amante. O Quixote atribui todo esse engano a
maus encantamentos, que os puros de intenção somente a fados impiedosos poderão imputar as injustiças que os atinjam. Assim como aconteceu no manteiamento do seu escudeiro Sancho. 

Dom Quixote é fiel á sua amada Dulcinéia e, Maritornes, era para ele, a filha do dono do Castelo. Aqui sua confissão:

“Quisera achar-me em termos, formosa e alta senhora, de poder pagar tamanha mercê como esta que me haveis feito com a vossa grande formosura. Porém a fortuna, que não cansa de perseguir aos bons, quis prostrar-me nesse leito, onde me acho tão moído e quebrantado, que, por maior vontade que eu tivesse de vos satisfazer, de modo nenhum o poderia. A esta impossibilidade cresce outra maior; e é de fé que tenho prometido guardar à sem igual Dulcinéia del Toboso, única senhora dos meus mais ocultos pensamentos.” ( I, 16 ).


 Teresa Pança (também chamado de Juana ou Joana) é uma mulher alta e forte.  E Mari Sancha ( Sanchica) , a filha de Sancho, sobre quem o casal conversa e diverge sobre o seu possível casamento. Sancho deseja que ela case com alguém da corte, e seja uma condessa. Tereza teme que isso possa ser sua perdição.  Teresa é uma mulher prática e trabalhadora que não perde um funeral, casamento ou batizado de sua aldeia. Fala através de provérbios como o seu marido e tem consciência da submissão da mulher ao marido, mesmo que esses sejam uns néscios. Mesmo assim ela argumenta;

- Por que não hás de consentir e querer o que quero?
- Sabeis por quê, marido? – respondeu Tereza. – pelo ditado que diz: “Quem
te cobre te descobre! No pobre todos correm os olhos por alto, mas no rico
os fitam, e, se o tal rico foi noutro tempo pobre, ai começa o murmurar e o maldizer e o pior perseverar dos maledicentes, que os há por essa ruas ás pancadas, como enxames de abelhas. (II, 5).
Essa conversa difícil se deu depois de Sancho chega contente em casa dizendo desejar continuar seguindo seu amo em sua terceira saída, ao que Tereza pergunta:
- Que trazeis, Sancho amigo, que tão alegre chegais?

Ao que ele respondeu:

- Mulher minha, se Deus quisesse, bem folgara eu de não estar assim tão contente quanto mostro.

- Não vos entendo, marido – replicou ela [...].  E continuou:
- Olhai, Sancho: – Depois que vos fizestes membro de cavaleiro andante, falais de maneira tão complicada que não há quem vos entenda. Posteriormente, feliz com o governo do marido da Ilha Baratária (onde Sancho desempenha galhardamente suas funções), assim escreve Tereza uma carta a Sancho:

“Tua carta recebi, Sancho meu da minha alma, eu te prometo e juro como católica cristã que me faltou menos  que um triz para ficar louca de contentamento. Olha, irmão: quando eu ouvi que é governador, pensei que ali cairia morta de puro gosto, pois já sabes que dizem que tanto mata a alegria súbita como a dor grande.  Sanchica tua filha desaguou sem sentir, de puro contentamento. [...] O cura, o barbeiro, o bacharel e mesmo o sacristão não podem crer que sejas governador e dizem que tudo são embelecos ou coisas de encantamento, como todas as de Dom Quixote teu amo; diz Sansão que te há de ir buscar e tirar-te o governo da cabeça , e a Dom Quixote a loucura dos cascos. Eu  não faço senão rir-me e olhar o meu colar e imaginar o vestido que do teu  tenho de fazer para a nossa filha Sanchica.” ( II, 52).

Zoraida é uma jovem moura formosa filha de um mouro rico Agi Morato, que converteu-se ao cristianismo e se enamora do capitão Rui Peres de Viedma, com quem foge depois de tê-lo ajudado a escapar do cativeiro em Argel. A história do Capitão Cativo em Argel (I, 39-40) é muito autobiográfica da própria prisão de Cervantes.

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