terça-feira, 18 de agosto de 2009

CABEÇA PENSANTE




A combativa teórica do pós-feminismo


Reconhecida intelectual norte-americana, Camille Paglia fala à CULT sobre feminismo, homossexualidade, política e cultura pop

14/08/2009

Gunter Axt


Camille Paglia, intelectual erudita e das massas
De seu grande livro de estreia, Personas Sexuais, publicado no Brasil em 1990, ao recente Break, Blow, Burn, antologia comentada de 43 poemas, ainda inédito no Brasil, a historiadora da arte Camille Paglia tornou-se conhecida pela importância de sua obra e pela sua combatividade em muitas controvérsias nas quais se envolveu. Formada pela Yale University e professora no Philadelphia College of the Performing Arts, na Pennsylvania, a nova-iorquina de ascendência italiana é considerada uma das principais teóricas do assim chamado pós-feminismo, sendo reconhecida no ranking da revista Foreign Policy como uma das intelectuais mais influentes do planeta.

Seu método acadêmico é erudito, comparativo e descritivo. É, portanto, a partir de sólida base - a reflexão sobre a religião comparada, sobre a apropriação simbólica das artes ou sobre a maneira pela qual uma obra artística foi produzida - que Camille produz ensaios de grande repercussão midiática. Apesar da elaborada formação clássica, Camille interessou-se pela cultura popular, valorizando o tema da cultura de massas no ambiente acadêmico.

Camille visitou quatro vezes o Brasil. Em 1996, promovendo o lançamento de seu Vamps & Tramps (Vampes e Vadias), foi ao Rio de Janeiro e a São Paulo, em companhia de sua então companheira Alison Maddex. Em 2007, conferenciou em Porto Alegre, e, em 2008, em Salvador. Retornou a Salvador em fevereiro de 2009 para curtir o carnaval baiano. Declara-se apaixonada pelo Brasil.
Na entrevista a seguir, Camille fala de Madonna, de Michael Jackson e de Daniela Mercury. Discute a política norte-americana e comenta seu mais recente trabalho publicado nos Estados Unidos. Fala ainda de casamento gay, da adoção de crianças por casais gays e de religião.


CULT - Seu último livro, Break, Blow, Burn, é um comentário de 43 poemas. Como foi que você selecionou esses poemas e que método usou para analisá-los?

Camille Paglia - O livro é uma mistura de poemas ingleses famosos e obscuros. Ele vai de Shakespeare a Joni Mitchell, cuja canção "Woodstock" abordo como uma ode à natureza durante os revolucionários anos 1960. Eu queria alcançar as massas que já não lêem poesia, e que agora são absorvidas pela TV, pelos videogames e pela Internet. O livro tornou-se, surpreendentemente, um bestseller nos EUA - o que demonstra que de fato há um anseio por beleza e por sentido que não tem sido satisfeito pela nova tecnologia.
Break, Blow, Burn foi o resultado das três décadas que passei na sala-de-aula ensinando alunos de procedências muito diversas, mais e menos privilegiadas economicamente. Um poema lírico curto oferece uma oportunidade magnífica para se estudar as operações da arte com atenção microscópica. Meu método crítico é bastante tradicional: uma leitura atenta, "close reading", ou "explication du texte", que trata o poema como uma unidade autônoma e fechada em si mesma e que examina cada palavra como se fosse uma jóia. Ele descende do "higher criticism" do século 19, que analisou sistematicamente a Bíblia.
Eu também ministro um curso chamado "A arte das letras de canções". A qualidade das letras de canções nos EUA decaiu muito nos últimos 30 anos. O antigo ofício da composição americana de canções descendeu de baladas escocesas e irlandesas, do blues afro-americano, do vaudeville e da Broadway. O hip-hop é um estilo fértil, mas o seu tom agressivo dificulta efeitos delicados. O que me encanta na música popular brasileira é a alta qualidade das letras das canções - as quais apresentam com frequência uma obliquidade poética, uma insinuação atmosférica e uma ressonância emocional que a música americana perdeu quase completamente.


CULT - Como você analisa os primeiros meses do presidente Barack Obama?

Camille - Eu apoiei Obama nas eleições primárias do Partido Democrata e doei dinheiro para a sua campanha. Acho que ele está ocupando seu cargo com autoridade e dignidade e que sua esposa Michelle se tornou uma vigorosa e elegante primeira dama. Infelizmente, a crise econômica mundial que o presidente herdou tornou seus primeiros meses muito turbulentos. Eu não acho que suas nomeações, em especial na área da economia, tenham sido tão boas quanto deveriam. Sua escolha de um companheiro de Chicago, o conspiratório e durão Rahm Emanuel, para chefe de gabinete foi particularmente infeliz.

O resultado foi uma primeira semana desastrosa em que Obama permitiu passivamente que o congresso aprovasse um pacote de incentivo econômico tão grotesco e extravagante que fez com que o desmoralizado Partido Republicano ressuscitasse. Num piscar de olhos, Obama perdeu toda a esperança de governar de maneira unificadora na estrutura bipartidária. Aquela atrapalhada primeira semana pode ter sido sua Waterloo.

Fiquei satisfeita com seu discurso no Cairo, que tratou de curar as divisões entre o Ocidente e o mundo muçulmano, mesmo que alguns detalhes tenham me parecido ingenuamente otimistas ou historicamente imprecisos. A atmosfera política nos EUA voltou ao partidarismo amargo e feroz. O país está divido entre os que amam Obama e os que o detestam. Mas sua raça não tem nada a ver com isso. Os inimigos de Obama o acusam de ser secretamente um marxista radical que odeia os EUA.


CULT - E quanto a Hillary Clinton, cuja campanha presidencial você criticou?

Camille - Eu era uma fã de Hillary quando ela apareceu na cena nacional durante a primeira campanha presidencial de Bill Clinton, em 1992. Achei que ela era uma mulher forte e franca. Mas depois me decepcionei com sua megalomania à Evita, com seus sigilos paranoicos e seu gerenciamento amador da reforma da saúde em 1993. As duas administrações de Clinton foram uma cadeia de escândalos auto-induzidos. Quais eras as qualificações de Hillary para a presidência - além de ter sido casada com Bill? As feministas a adoravam, mas ela nunca conseguiu nada por si própria.

Durante as eleições primárias do ano passado, Hillary se comportou com arrogante condescendência em relação a seus rivais do sexo masculino. Ela agiu como uma imperadora, esperando que a nomeação lhe fosse entregue. Os Clintons nunca anteciparam a ascensão meteórica de Obama, que os atordoou. Quando Obama foi nomeado, as feministas se comportaram como bebês chorões, acusando os eleitores e a mídia de sexismo - uma alegação ridícula.

A equipe de Obama realizou uma das manobras mais espertas que já vi na política americana. Eles ofereceram a Hillary o cargo de Secretária de Estado como se fosse uma enorme honra. Os Clintons aceitaram tolamente - pensando que agora Hillary era importante demais para o Senado. Então Obama concluiu o bote: apontou inesperados emissários especiais para cada uma das regiões problemáticas do mundo, minando o poder de Hillary e tornando-a uma espécie de fantoche sem autoridade real. Ela obviamente odeia esse papel.

A caminho de uma recente reunião com Obama sobre o Irã, ela tropeçou no estacionamento do Departamento de Estado e quebrou o cotovelo - o que causou o cancelamento de várias viagens intercontinentais. Os antigos romanos, que eram muito supersticiosos com estreias, teriam interpretado esse acontecimento como um mau presságio! E Freud teria concordado; para ele, tal incidente sinaliza conflitos profundos e raiva reprimida.


CULT - Como você avalia, numa perspectiva cultural, o fenômeno atual de ferramentas da Internet como o Twitter e o Facebook?

Camille - Sou uma defensora fervorosa da Internet, que sempre enalteci como uma nova fronteira nas comunicações humanas. Tenho escrito para o Salon.com desde sua primeira edição em 1995 - quando a Web ainda era vista como uma simples novidade passageira. Um importante repórter do Boston Globe chegou a me criticar por "desperdiçar" minha energia na Web, que ele disse que nenhum jornalista levava a sério. Eu certamente fui a primeira intelectual estabelecida a escrever na Web. Contudo, hoje estou um pouco decepcionada com o baixo número de revistas virtuais que obtiveram sucesso.

Existem milhares de sites e milhões de blogs, mas me entedio com frequência com as coisas que aí encontro. Eu me preocupo com a fragmentação da Internet desencadeada pelos blogs - que picotam o discurso em pequenas notações e separam as pessoas em seus feudos privados. O Twitter e o Facebook aceleraram essa tendência. Quero que a Internet seja um grande fórum público com um amplo escopo. O Twitter e o Facebook são como clubes privados, cheios de bate-papo aleatório e fugaz. São veículos importantes de intercomunicação social, em especial para os jovens, mas não estão promovendo uma troca séria de idéias.

Eu tentei combater essa tendência escrevendo colunas bem longas para o Salon.com - para mostrar que as pessoas têm, sim, paciência para ler documentos longos na Internet, se esses forem escritos num etilo dinâmico. Estou muito preocupada com o curto período de atenção de que se mostram capazes os jovens, que estão sendo treinados, por meio de torpedos e do Twitter, a usar a linguagem em arroubos curtos e desconexos. Como poderão ser capazes de ler Guerra e paz do Tolstói?


CULT - Recentemente você deu uma palestra no Museu Real de Ontário, em Toronto, logo após uma palestra de Christopher Hitchens- algo que também aconteceu em Porto Alegre, em 2007. Qual é sua posição acerca da visão extremamente negativa que Hitchens tem da religião?

Camille - Eu respeito Christopher Hitchens como um pensador independente e como um engenhoso orador. No entanto, ele sabe muito pouco sobre história da religião e muitas das suas conclusões não passam de cínica retórica. Sou uma atéia que tem profundo respeito por todas as religiões. Eu venho propondo há 20 anos que um estudo comparativo das religiões deveria estar no núcleo dos currículos educacionais de todo o mundo. Todos deveriam conhecer as escrituras, a arte, e os locais sagrados de todas as grandes religiões - Hinduísmo, Budismo, Judaico-Cristianismo e Islã.

A ciência é muito importante, mas sempre incompleta, porque ela jamais pode dar conta dos grandiosos mistérios do universo. Hitchens está simplesmente errado ao dizer que a religião é sempre uma fonte do mal. Seus códigos morais foram de grande serventia para a humanidade - ainda que eu mesma tenha me rebelado contra o puritanismo e o autoritarismo da igreja na minha juventude. Quando me perguntaram sobre o livro de Hitchens God is Not Great, na parte de discussão da minha palestra em Toronto, respondi: "que Hitchens seja lembrado por esse título. E que toda a minha carreira seja julgada pela frase mais importante que já escrevi: 'Deus é a mais grandiosa ideia do homem".


CULT - Você também se dedicou ao estudo de carreiras de superstars. Você foi a primeira intelectual a tratar do fenômeno Madonna em universidades. O que você acha que mudou da Madonna que você celebrava nos anos 1980 para a superstar de hoje?

Camille - Algumas feministas acadêmicas escreviam sobre a Madonna - mas de um ponto de vista pós-estruturalista, tratando-a como uma pós-modernista, o que eu achava absurdo. Elas não sabiam nada sobre a poderosa tradição comercial da música pop americana que Madonna absorveu em sua adolescência em Detroit. Eu a vi como uma diva de Hollywood e uma femme fatale na linha da Marlene Dietrich e da bad girl Elizabeth Taylor.

E eu adorava a maneira com a qual a Madonna legitimava o gênero da disco music, que nasceu em bares de negros e de gays e que era deplorado pelos críticos musicais da época. Uma das frases mais proféticas que já escrevi foi a que concluiu meu artigo de 1990 para o New York Tines: "A Madonna é o futuro do feminismo". Algumas pessoas se chocaram, outras desprezaram o vaticínio. Mas foi exatamente o que aconteceu: a ideologia pró-sexo, pró-beleza, pró-moda da Madonna transformou radicalmente o feminismo e desbancou as puritanas stalinistas que eu vinha combatendo.

Mas a trajetória criativa da Madonna colapsou tragicamente nos últimos 15 anos. Ela colaborou com jovens produtores eletrônicos, mas, apesar disso, ela se estagnou e não foi adiante artisticamente. A minha explicação é a de que sua inspiração primária foi sua rebelião contra o totalitarismo de sua família e igreja. Quando ela passou do catolicismo italiano para a cabala, ela perdeu tudo enquanto artista. E a despeito de suas alegações de espiritualidade cabalística, ela se tornou demasiado materialista e avarenta para o estilo de vida de uma celebridade. Cercada de guarda-costas e viajando com luxo, ela circula numa bolha, separada de seus fãs, com quem ela tem muito pouco contato, mesmo no palco. Sua mania de exercício e dieta a faz parecer anoréxica. Não sobrou nada genuinamente erótico na Madonna. Ela é toda força de vontade sem um corpo carnal - como um robô desajeitado.



CULT - O que você acha que Michael Jackson representa para a cultura pop?

Camille - Como a Madonna, Michael Jackson decaiu lentamente do ofuscante cume de seu brilho artístico. Historiadores da música estudarão quanto os álbuns mais importantes de Michael deveram à sua colaboração com o produtor virtuoso Quincy Jones. Michael fez muito pouco de grande música depois que a parceria com Jones acabou. Michael é uma de muitas estrelas infantis admiráveis, como Judy Garland, que tiveram problemas na transição para a vida adulta e que acabaram se tornando viciados em drogas. É triste que Michael nunca tenha feito a retomada que Judy conseguiu em sua apresentação de grande fôlego em 1961 no Carnegie Hall em Nova York - cuja gravação representa um dos pontos altos da música moderna.

Michael era muito talentoso, e apesar disso se deleitava com produções exageradas em que se apresentava arrogante como um mártir semelhante a Cristo, um gangster pomposo, ou um líder de esquadrão fascista. Ele era um dançarino maravilhoso, mas nunca evoluiu para além de um conjunto nuclear de passos de marionete e aquele ilusório "moon walk". Seu repertório vocal também cessou de se desenvolver - a emoção sincera era truncada por grunhidos e soluços sufocados.

Todos nós intuíamos as agonias acerca de sua raça e de seu gênero sinalizadas pelas cirurgias plásticas que ele fazia compulsivamente. Menos perdoável era a maneira com a qual ele tratava seus filhos, mentindo sobre sua paternidade e forçando-os a usar máscaras em público. A ironia é que agora que Michael morreu, nós podemos rever todo o corpus de sua obra e aproveitar e celebrar o que nele há de soberbo e de melhor. Não há dúvida de que a vida mais autêntica de Michael se deu no palco. Todo o resto foi um caos.


CULT - Você já criticou o casamento gay. Por quê?

Camille - Por vinte anos, eu tenho clamado pela substituição de todo casamento, homossexual ou heterossexual, pela união civil. O Estado, que governa os direitos de propriedade, deve ser estritamente separado da religião e não deve jamais sancionar sacramentos religiosos. Pessoas que querem a benção de uma igreja devem se sentir livres para ter uma segunda cerimônia na igreja que escolherem.

Eu acredito que os ativistas gays dos Estados Unidos cometeram um sério erro estratégico ao reivindicar o casamento, porque a palavra "casamento" é muito associada à tradição religiosa e gera uma revolta entre os conservadores. Ao contrário, os ativistas deveriam se concentrar nos benefícios específicos injustamente negados às uniões gays. Por exemplo, nos EUA, se um gay morre, seu parceiro não recebe os benefícios do Seguro Social, que no caso das uniões heterossexuais vai automaticamente para o parceiro. Isso é uma afronta! Mas este ponto tem sido deixado de lado pelos ativistas gays por conta do seu entusiasmo pela quimera reacionária do "casamento". Uma visão de esquerda autêntica (como nos anos 1960) iria desafiar todo o conceito do casamento.


CULT - Você terminou recentemente um relacionamento de 15 anos com sua parceira Alison Maddex. Vocês foram casadas formalmente?

Camille - Na realidade, nós terminamos há um ano e meio, mas a notícia surgiu na mídia somente agora. Não, nós não fomos casadas. Um dos pontos altos do nosso relacionamento foi a repercussão na mídia de nossa visita ao Brasil em 1996! Nós amamos os brasileiros. Na verdade, o mais importante relacionamento da Alison, antes do nosso, foi com uma brasileira.


CULT - Como você avalia a possibilidade de um relacionamento amoroso de longa duração entre duas mulheres?

Camille - Para ser franca, sou pessimista quanto a eles do ponto de vista erótico. As lésbicas formam laços de lealdade muito profundos - compromissos vitalícios que têm sido observados desde o famoso caso das "senhoritas de Llangollen", que aconteceu há dois séculos no País de Gales. Mas sou cética sobre quanto "fervor" sexual ainda pode existir entre duas mulheres depois de 10 ou 20 anos.

Existem, entre escritores gays, casos muito famosos de casais de homens que ficaram juntos por toda a vida - W.H. Auden, Allen Ginsberg, Gore Vidal. Mas eles jamais exigiram de seus parceiros a exclusividade sexual. Ambos os amantes tinham divertidas aventuras alhures com jovens atraentes. Isso não parece possível com as lésbicas. A aventura externa acaba representando uma traição do laço emocional. Eu mesma fui, de modo entediante, monogâmica em minha conduta. Olhando em retrospecto (dado o número de assédios que recebi tanto de homens quanto de mulheres nos últimos 20 anos), acho que foi um erro!


CULT - Vocês duas têm um filho. Qual é a sua opinião sobre a adoção e a criação de crianças por casais gays?

Camille - Meu filho, que adotei legalmente depois que nasceu, sete anos atrás, é o filho biológico de Alison e está sendo criado por nós duas de modo amigável. Usamos uma clínica de fertilidade da Filadélfia e um banco de esperma da Califórnia para escolher um doador anônimo. Tivemos a sorte de a adoção gay ser permitida no estado da Pensilvânia - o que não ocorre em algumas partes dos EUA. Não gosto da ideia de "duas mamães" ou de "dois papais" para os filhos de casais gays. Acho que isso pesa muito sobre a criança na forma de aborrecimentos desnecessários durante a adolescência.

Meu filho tem apenas uma mãe - Alison - e é por isso que ele tem o sobrenome dela. Não gosto dos nomes longos nem das combinações hifenizadas construídas por muitos pais gays. Essas são estratégias desenvolvidas para proteger o amor-próprio de adultos e não para o bem da criança. De forma geral, a criação de uma criança por um casal gay é um enorme experimento social tornado possível por um clima liberal na cultura ocidental. Tenho muita esperança de que os resultados gerais serão positivos - mas a essa altura ninguém pode ter certeza.


CULT - Em recente entrevista a uma emissora de televisão de Toronto, você declarou que estava "loucamente apaixonada" por Daniela Mercury, que você conheceu no último carnaval de Salvador. Alguns sites brasileiros especularam que vocês estavam tendo um caso amoroso. Como é a sua relação com ela?

Camille - Tendo Vênus por minha testemunha, afirmo ser uma simples devota no culto a Daniela, que tem inúmeros seguidores ao redor do mundo. Tudo começou a um ano, muito antes de conhecê-la pessoalmente, quando fui presenteada com um pacote com seus DVD's depois de uma palestra que proferi em Salvador. Eu estava absolutamente eletrizada pelo brilho artístico de Daniela e me tornei uma estudiosa de seu trabalho, sobre o qual escrevi no site Salon.com.

Depois de anos de desilusão com o declínio da qualidade dos filmes de Hollywood e da música popular nos Estados Unidos, fiquei estonteada com o samba-reggae da Bahia, que Daniela reinterpretou de forma explosiva. Além disso, Daniela era a encarnação viva de muitas de minhas ideias - como as desenvolvidas em "Personas Sexuais", que ela representa em seus maravilhosos figurinos teatrais e coreografias.

Quando conheci Daniela no carnaval, fiquei encantada pelo seu calor despretensioso e humano. Mas esse também foi um momento de grande revelação, porque nunca na minha vida eu tinha conhecido alguém, homem ou mulher, em quem eu tenha reconhecido uma corajosa imaginação sincrética como a minha. Talvez seja por nossa ascendência italiana! O barroco Bernini floresce em Daniela. Nas artes, nós somos almas gêmeas. Do ponto de vista pessoal, sim, eu estava completamente encantada - quem não estaria? Esta é uma estrela brasileira de incandescência solar! Mas eu penso em mim como uma figura da tradição do amor cortês de Petrarca - um cavaleiro das cruzadas que jurou serviço à sua gloriosa, distante rainha.

À parte disso, Daniela casou-se com um homem que eu adoro. Desde o momento em que conheci Marco Scabia na casa de Daniela, eu fiquei profundamente impressionada com ele, como pessoa e como pensador. Ele é tão bonito espiritualmente quanto fisicamente. Toda foto tirada de Daniela e Marco juntos resplandece com a luz da química mútua que eles têm. Eles merecem toda felicidade na vida!


CULT - "Vamps & Tramps" (Vampes e vadias) finalmente está sendo publicado na França. É seu primeiro livro publicado naquele país. Você acha que a sua crítica ao pós-estruturalismo francês pode ter contribuído para eventual desafeto encontrado por sua obra ali? O que mudou?

Camille - Duvido que tenha sido minha campanha militante contra Jacques Derrida, Jacques Lacan e Michel Foucault o que causou esse atraso, por que esses autores já estavam obsoletos na França na época em que os professores norte-americanos os promoviam servilmente. Não foi pelo fato de eu ter absorvido tanto as ideias francesas desde a minha infância (meu pai ensinava francês) que os franceses não precisavam de mim.

Fiquei famosa por atacar o puritanismo anglo-americano no feminismo e na academia. Eu estava simplesmente pondo em prática as lições que aprendi de Sade, Gautier e Balzac, assim como de Jeanne Moreau e de Catherine Deneuve! As feministas francesas eram muito chiques e nunca atacaram a arte ou a indústria da moda, como fizeram as feministas anglo-americanas. Mas algo estranho pode estar acontecendo na França; por exemplo, um documentário francês sobre pornografia para o qual fui entrevistada há vários anos teve seu lançamento proibido em um julgamento. Assim, o meu trabalho, com sua defesa da liberdade de expressão e da fantasia sexual, pode parecer especialmente relevante nesse momento.


CULT - Você está trabalhando em algum novo projeto nesse momento?

Camille - Estou escrevendo um novo livro na linha de Break, Blow, Burn. É sobre a história das artes visuais e também visa o grande público.

FONTE - REVISTA CULT

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