sexta-feira, 14 de agosto de 2009

UMA EXPOSIÇÃO IMPERDÍVEL...



foto: Alexandre Oliveira


ESTE TEXTO DE JORGE COLI - COLUNISTA DA FOLHA RETRATA PERFEITAMENTE A EMOÇÃO QUE TIVE AO VISITAR A VIRADA RUSSA NO CCBB - RIO DE JANEIRO.
ALEXANDRE OLIVEIRA - CAPISTA DO SEBO VERMELHO VISITOU A EXPO - VIRADA RUSSA NOS DIAS 8,9,10 DE AGOSTO DE 2009

MISTERIOSOS ÍMPETOS

A mostra "Virada Russa" é o que deveria ser toda exposição de arte: um conjunto estimulante e conexo, baseado na compreensão das obras, sem bizarrices de curadores

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Tanta gente é capaz de desatinos por causa de um quadro. Há roubos espetaculares e colecionadores compulsivos, há maníacos querendo a obra-prima para si, só para si, para mais ninguém: um deles determinou em testamento que um Van Gogh de sua propriedade fosse enterrado com ele. Ao que parece, os herdeiros, sábios, deram um jeito de desobedecer à cláusula: tanto melhor.
Quem não se interessa por obras de arte não entende bem esses comportamentos estranhos. É que delas, das obras, emanam forças prodigiosas. Não é possível quantificar essas energias, mas basta nos expormos a elas, sem reticências, para que comecem a agir. Isso pode parecer conversa fiada, mas é o que comprova a extraordinária mostra "Virada Russa", que esteve em Brasília, deve vir a São Paulo [em setembro] e está agora no CCBB do Rio de Janeiro.
As obras vieram do Museu Estatal Russo de São Petersburgo, 123 ao todo, e foram escolhidas a dedo. Grandes nomes, como Kandinsky ou Chagall, estão representados de modo soberbo. O conjunto fascina: nada de uma pletora descontrolada, mas o encadeamento num fluxo coerente e expressivo.
É o que deveria ser toda exposição de arte: um conjunto estimulante e conexo, baseado na compreensão inteligente das obras, sem bizarrices de curadores. A montagem e a iluminação evidenciam cada obra, pondo-as em contato umas com as outras.
É impossível ficar indiferente diante de tão formidável ebulição criadora. Ali se compreende bem porque a arte é capaz de desencadear paixões alucinadas.

Fôlego
O século 19 na cultura russa foi surpreendente pelas cruciais obras literárias e musicais que produziu. As artes plásticas, porém, permaneceram modestas.
A intensa renovação que ocorre desde o início do século passado nasce da crença na modernidade, artística e social, nas suas capacidades transformadoras. Além de alguma coisa que não se explica: um sopro coletivo de gênio.

Foco
Os estudos sobre o período recoberto pela mostra do CCBB costumam recortar fases, movimentos, grupos. Separam suprematismo e construtivismo, analisam vínculos com futurismo, "fauves", simbolismo, expressionismo, primitivismo.
No entanto, por mais diferentes que sejam as obras, elas parecem brotar de um mesmo solo fecundo. São, todas, habitadas por ímpetos enérgicos. Mesmo as do final, sob o stalinismo, nos anos de 1930, vibram, intensas.
Um pintor como Samokhválov, em telas cujos títulos, por si só, são arrepiantes -"O Komsomol Militarizado" (1932/33) e "Operária de Metrô com Furadeira"-, é capaz, graças à enérgica concentração cromática e à abreviação das formas, de expressar um vigor em nada artificial.

Viço
Os quadros suprematistas de Malevitch, presentes na exposição "Virada Russa", agregam formas ortogonais de cores fortes, regidas por geometria estrita. Mondrian as empregava também.
Basta, no entanto, comparar um e outro para sentir a diferença entre o caráter contemplativo, imóvel, parmenídico, de Mondrian, e a pulsação veemente de Malevitch.
Uma sala admirável reúne o célebre tríptico "Quadrado Negro, Círculo Negro e Cruz Negra", que Malevitch pintou em 1923. Ali também não é uma geometria que, tirânica, leva as formas para as abstrações inefáveis, mas que se concretiza, poderosa, graças à intensidade das proporções e à vitalidade da matéria na qual é vazada. O grande círculo negro, que se desloca para o canto superior direito da tela, arrebata o olhar e destrói qualquer estatismo transcendente.

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