terça-feira, 15 de maio de 2012

As farpas literárias – o caso Machado de Assis por João da Mata Costa




Em lugar nenhum há tantos e tontos vaidosos homens como nas letras. A
vaidade de alguns consegue limitar o seu universo em poucos e pouquíssimas
trouvailles repetidas á exaustão.  Difícil uma unanimidade quando não se
consegue auferir com precisão uma determinada coisa. Só o tempo é soberano
e saberá separar o joio do trigo. Nem o maior escritor brasileiro, Machado
de Assis, ficou imune a críticas desfavoráveis e injustas.   Guimarães
Rosa foi ferino ao referir-se a Machado : “Não pretendo ler mais Machado
de Assis, a não ser seus afamados contos. Talvez também o começo de Dom
Casmurro, do qual já li critica que me despertou curiosidade. ( …). Por
vários motivos: acho-o antipático de estilo, cheio de atitudes para
embasbacar o indígena; lança mão de artifícios baratos, querendo forçar a
nota da originalidade; anda sempre no mesmo trote pernóstico, o que torna
tediosa a leitura. Quanto as ideias, nada mais de que uma desoladora
dissecação do egoísmo e, o que é pior, da mais desprezível forma do
egoísmo: o egoísmo dos introvertidos inteligentes.” ( Os cadernos do
cônsul Guimarães Rosa in Cadernos da Literatura Brasileira IMS pp. 83-84)
.
Apesar de algumas críticas, ninguém ousa questionar o escritor de gênio
que o tempo só faz consagrar. Bom que conheçamos as críticas favoráveis e
desfavoráveis para saber que a literatura é feita por gente e para gente.
E que a crítica é necessária, mesmo que muitas vezes falha. Os apologistas
algumas vezes fazem uso de uma pena banhada no fel das vicissitudes de uma
época, de um capricho, de uma estética ou da incompreensão própria do
humano.

O escritor e crítico literário sergipano Sílvio Romero ( 1851 – 1914) foi
um dos maiores escritores brasileiros da belle époque brasileira. A vida
literária era, para Romero, uma eterna arena. Em sua época as polemicas
literárias eram acirradas. Em 1909, encerrou uma polemica de três anos com
o também crítico José Veríssimo. Atacou Castro Alves e Valentim Magalhães,
quando da posse de Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Letras.
Silvio foi um grande pesquisador do folclore e da literatura popular.
Pioneiro em reconhecer a mestiçagem como elemento importante na formação
da identidade nacional. Foi mais um crítico cultural, que literário. Como
crítico literário se equivocou muitas vezes. Em sua monografia “ Machado
de Assis (1897)”, o crítico ataca o bruxo de Cosme Velho e comete
injustiças. Para Sílvio Romero, Machado, com seu “pessimismo de pacotilha”
e seu “humorismo de almanaque”, não traria nada de novo para a literatura
brasileira e nem contribuiria para a sua linha evolutiva. Seu conterrâneo
Tobias Barreto é superior a Machado, continua vociferando o crítico
sergipano.  Parece que foi para Romero que Machado escreveu: “Ninguém sabe
o que sou quando rumino”. Silvio parecia está replicando o que Machado
anteriormente falou de sua poesia: “um documento de aplicação, mas não dar
a conhecer um poeta”. E continua Silvio: ”Machado de Assis repisa, repete,
torce, retorce tanto suas ideias e as palavras que as vestem, que
deixa-nos a impressão de um eterno tartamudear. Esse vezo é o resultado de
uma lacuna do romancista nos órgãos da palavra.” ”Em prosa falada ou
escrita, no estilo fluente, imaginoso, poético, e no gracioso e
humorístico, Machado de Assis não é superior a Tobias Barreto; é-lhe
sempre inferior”.
Outro grande critico literário da primeira metade do século passado foi  o
 temível Agrippino Grieco. Escreveu dois livros com duras críticas a
Machado. Machado de Assis (1959) e Viagem em torno de Machado de Assis
(1969). Nesses livros, Grieco crítica violentamente a poesia de Machado.
Diz que seus contos não chegam à preeminência do romancista. Analisa
minuciosamente as possíveis influências machadianas e – até mesmo,
plágios. Não bastasse todo esse ataque o mordaz crítico de “Carcaças
Gloriosas” ainda compilou todas as críticas desabonadoras ao grande
escritor. O que mostra como até mesmo um grande crítico pode se equivocar.
Muitos desses erros foram apontados pelo Augusto Meyer (Textos críticos,
Editora Perspectiva, 1982). Críticas compiladas por Agrippino Grieco: “Uma
natureza sem generosidade”.  “Obra monótona e desfigurada pelo vício da
acrobacia humorística superficial”.  “O pudor do poeta às vezes era quase
“pusilanimidade espiritual”. “Romances para romancistas, literatura para
literatos.” Analisando as críticas a Machado de Assis acima referidas só
podemos dizer, nós machadólatras, que eles se enganaram. Machado é eterno.
O tempo só confirma a sua genialidade de criador de tipos inesquecíveis.
De uma prosa e verve primorosa. Um dos maiores estilistas da língua
portuguesa. Escritor de humor refinado. Um assombro no século XIX
brasileiro, quando se pensa no grau de incipiência da nossa literatura
nessa época.

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