segunda-feira, 4 de julho de 2011

A poesia vertiginosa de Antonio Pinto de Medeiros



Por João da Mata
IV- Poetas do Rio Grande do Norte

Antonio Pinto de Medeiros
Crítico, poeta e Editor.

Percorrendo uma trajetória no limite entre a vida e a morte, entre o reino de lethe e os encantos de mnemosyne, continuo a evocar os poetas da minha terra, os que aqui poetaram mesmo nascidos fora, os que daqui partiram levando o sentimento da terra que o acolheu.

Os personagens são seres de papel, disse Barthes. Os poetas assim como nós, leitores, também somos seres de papel e sombras, habitantes de uma biblioteca de babel de onde resgato ‘um poeta esquecido e grande crítico de literatura; Antonio Pinto de Medeiros. Editor de importantes livros da Cultura do Rio Grande do Norte. Assim como a poetisa Mirian Coeli, ele nasceu no Amazonas e emigrou moço para Natal onde estudou até o curso secundário. Bacharelou-se na famosa escola de Direito do Recife, em 1950, foi seminarista quando leu mais Anatole France do que os doutores da igreja, abandonando a vocação eclesial. A frase do Anatole “ a injustiça deve ser o próprio pensamento de Deus”, poderia ter sido dita pelo irônico Antônio Pinto de Medeiros, nascido em Manaus (AM ) em 09 de Novembro de 1919, e falecido no Rio de Janeiro em 1970.

Largando o seminário, foi professor de Humanidades em Mossoró e Natal, cidade onde desenvolveu intensa atividade intelectual como professor, jornalista e escritor. Com o apoio do governador Silvio Pedrosa e como diretor da Imprensa Oficial, publicou vários livros de escritores importantes do RN. Em 1952 foi editado pelo Departamento de Imprensa, em papel jornal, o livro “Sertão de Espinho e Flor” do poeta Otoniel Menezes.

Como poeta ele produziu os livros de poemas em versos livres de grande expressividade imagética e filosófica, Um poeta à-toa (1949) e Rio do Vento (1952). Nos anos 50 assinou uma coluna intitulada “O Santo Ofício” no Diário de Natal com o pseudônimo Torquemada. Como o nome do temido inquisidor espanhol fazia lembrar, Pinto Monteiro era muito temido por sua crítica irônica e mordaz. Em meados da década de 50 ele se transfere para o Rio de Janeiro, e dedica-se crônica futebolística.

O escritor, médico e poeta Esmeraldo Siqueira, traçou de modo bem humorado o seu perfil:

“ Veio da selva: é amazonense, e disto
Confessa o seu orgulho extraordinário.
Cursou brilhantemente o seminário,
Mas, por fim, seu um coice em Jesus Cristo.

Poderia de todos, ser bem benquisto,
Se não fosse tão trêfego e tão vário.
Prefere ao rumo certo o itinerário
Que lhe aponte mais dúvida e imprevisto”

O escritor José Gonçalves de Medeiros, em matéria publicada no Jornal do Comércio do Recife em 04/09/1949, sobre o movimento literário no Nordeste, assim se referiu ao protonotário Pinto Monteiro;

“ Finalmente , o inquieto Antonio Pinto de Medeiros, a quem devemos certamente a agitação modernista da mocidade de Natal e que acaba de publicar o seu Poeta- à- toa louvado pela crítica daqui como do sul “

O escritor e político José Gonçalves faleceu tragicamente num acidente de avião em 1952, e o grande poeta Antonio Pinto Monteiro publicou no Diário de Natal de 13/07/ 1952, o poema “ A Pedra “ do livro Rio do Vento.

À memória de José Gonçalves, “ companheiro de tantas coisas”

Neutra a paisagem e o tempo
Usa a mascara inconsútil
Do segundo que repete
A neutra paisagem e o sonho
Neutro. O outono é promessa
Do homem que se repete
Múltiplo na dor e no ritmo

Inerte mordendo o barro
- Matéria prima das cinzas –
Não o fecunda. Uma e estéril
Sem lembranças de outras vidas
Afaga a memória e a infância
Que se confunde com as outras
Mortas idades e sombras

O escritor mossoroense Dorian Jorge Freire em prefácio escrito com emoção na re-edição do livro “Rio do Vento” ( NossaEditora / FJA 1984 ), escreve sobre o amigo:

Chegou a hora de expor todo Antonio Pinto de Medeiros. Até seus bilhetes, até as dedicatórias de seus livros. Em seguida o discurso sobre Anatole France. Não em favor da sua memória, que dispensa favores agora. Mas em benefício da memória inteligente do RN.

Tenho para mim que um homem como Pinto, com as suas originalidades todas, o seu saber múltiplo, a sua cultura, a sua inteligência, o seu talento, a sua sensibilidade, a sua prosa, a sua poesia, a sua crítica, o RN não produziu antes dele nem o substituiu quando ele foi para o céu. Igual a ele nunca mais. Com aquela agilidade mental, aquela prontidão, aquele fogo de trezentos sóis, duvido. Du-vi-do!

Os que o conheceram de perto ou de longe, beneficiários ou vítimas, sabem disso. O quanto influenciou a província. Quantas inteligências plasmou. A liderança que exerceu. Os autores que revelou. As obras que leu e criticou para o seu público …

Antonio pinto foi um grande poeta, para alem de grande crítico de literatura. Não o poeta de um verso que se destaca, mas poeta de grande inventividade e dicção própria. Poeta inspirado de técnica apurada e cadencia num universo de sombras e mistérios.

“ Tragam as ânforas / que as pedras estão / à espera das sementes “

Como Fernando Pessoa, o poeta quer tudo, mas “sobretudo as bolhas de sabão”.

Poema do Desejo Impossível

Quero as lágrimas perdidas
E os risos perdidos
Os Risos inúteis
E as lágrimas de sal.

Quero os versos à toa
E a fé que herdei
A Fé que perdi
E os versos á toa

Quero de novo o sentido da vida
E a alegria mãe
A alegria extinta
E o sentido da vida que eu próprio matei.

Mas quero sobretudo a bolha de sabão …….

Em Auto de Fé, Pinto diz seu credo :

ATO DE FÉ

Creio na infinita procura
E nos caminhos ardentes
Creio no mistério da carne
E no limbo das ideias
Creio no silêncio sem fronteiras
E no tumulto das sombras
Creio na mágica do tempo
E na divindade das forças
Creio no trono de Judas
E na redenção dos anjos caídos.

Carregamos consigo mistérios. Um texto. Uma trombeta da infância. Pinto carrega todos os mistérios da vida e da existência.
Viajemos em seus versos poderosos. “os ventos trazem alegorias / mas não conduzem mensagens “ O enigma permanece em
“ Loucos olhos bovaristas “ . .

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