sábado, 25 de dezembro de 2010

Primeiras impressões


Maria Betânia Monteiro - repórter

Descrever o caminho traçado para fazer a foto ilustrativa desta matéria é a melhor maneira de também descrever a poetisa potiguar Iracema Macedo. A proposta do repórter fotográfico Alex Régis era usar o cenário da cidade, as ruas, as calçadas. Para alcançar a saída mais rápida, pegamos o caminho onde são guardados os gigantescos rolos de papel-jornal. Iracema parou. Olhou os rolos. Achou lindo. Quis subir. E subiu. Feito criança, deitou-se e aguardou. Essa é Iracema poeta, “uma mulher como outra qualquer”, como disse, tentando convencer esta repórter, de que é uma pessoa comum. Seus versos, algumas rimas e sua forma especial de reter o mundo serão mais uma vez entregues ao leitor, durante o lançamento de “Iracema Macedo - poemas inéditos e outros escolhidos”, na próxima segunda-feira, às 19h, na Siciliano do Midway Mall.

O livro é, como o título sugere, uma reunião de poemas inéditos e outros escolhidos. “Os meus preferidos no momento”, disse a poetisa. Um deles dá o seu endereço, “Prisões”. Ela diz: “Antes eu era incêndio/ Agora faço seguro contra o fogo/ contra roubos/ Eu mesma era furacão/ Eu mesma roubava/ Agora apaziguo tudo e tranco/ Antes eu era perdas/ Agora sou vista pelo bairro, precavida,/ Comprando cadeados sob medida”.

Iracema está morando no Rio de Janeiro, depois de ter passado seis anos em Minas Gerais. Ela refaz o percurso de Carlos Drummond e cita um dos versos do poeta: “Espírito de Minas, me visita,/ e sobre a confusão desta cidade/ onde voz e buzina se confundem,/lança teu claro raio ordenador”. Iracema diz que ao chegar ao Rio de Janeiro invocou o espírito de Drummond para se adaptar à metrópole.

Apesar do remédio, não fincou os pés em solo firme. Tornou-se nômade de seus afetos geográficos. De corpo presente no Rio, é também moradora de Minas e Natal. Ela escreveu em “Raízes”: “E me perguntam onde estou/ e me perguntam onde moro/ Tornaram-se enfim questões delicadas/ Estou morando em minhas palavras/ Às vezes sede, às vezes navalha/ Às vezes também girassóis e asas”.

Iracema explica que mora nas palavras não só poéticas, mas também filosóficas, as usadas para dar aula no Instituto Federal Fluminense. “As palavras me sustentam, vivo delas, brinco que como palavras”. Encerrando o ciclo de perguntas e respostas sobre como é estar distante da terra Natal, Iracema conta que a saudade é grande. Saudade da família, dos amigos e da generosidade com que a cidade trata os poetas.

Peixe de aquário

O Rio de Janeiro inaugurou uma nova fase na vida de Iracema, a da que se ocupa não apenas com as aventuras poéticas, também com a cidadania. Com palavras simples ela descreve o que é ser cidadã: “É viver numa cidade, fazer algo pelos outros, trabalhar e criticar as violências, as injustiças e a barbárie. Por isso hoje eu já não vejo com tanta poesia os bandidos”.

É possível ver poesia nos bandidos? Um dia foi para Iracema. Quando tinha quinze anos de idade, ela e amiga Kátia, de 17, passaram a visitar os detentos da extinta João Chaves aos domingos. O objetivo era divulgar na escola, a precariedade da vida dos encarcerados. Lá conheceu homens perigosos, como Paulo Queixada, mas descobriu que o ser humano é extremamente amplo, que não há perfeições, isso lhe ajudou a enfrentar muitas outras dificuldades ao longo da vida, como a urbanização dos homens.

Morando no bairro de Santa Tereza, numa parte alta do centro do Rio de Janeiro, Iracema diz sentir como se estivesse numa cidade pequena. “Em Santa Tereza me oriento pelos trilhos do bonde”. Mas nem o bonde pode levá-la às aguas quentes do mar, para fazer o que precisa. Nadar. Ela então decidiu virar “peixe de aquário”, exercitar-se em piscinas de academias.

A alta temperatura desejada aquece apenas as suas lembranças. Dedicou à Praia de Ponta Negra as seguintes palavras: “Nadei tanto, tanto, tanto/ Fosse noite ou fosse dia/ anfíbio eu era/ metade água, outra terra/ sobrevivi porque contei tudo ao mar/ Ele sabe como respiro/ Guardei lá meus gritos/ E misturei minhas lágrimas e seus sais/ Fui queimada por algas/ E, alentada pela espuma leve,/ dei minha dor às ondas.”

Segurando o livre firme na mão, após ler os versos de “Praia de Ponta Negra”, Iracema disse que os poemas escritos no Rio são formas de se orientar melhor numa metrópole. Os enfrentamentos são muito, mas a poetisa não sabe dizer quando voltar.

Serviço:

Lançamento “Iracema Macedo –poemas inéditos e outros escolhidos”

(R$ 20), segunda-feira, às 19h, na Siciliano do Midway Mall.

bate papo - Iracema Macedo » poeta

VIVER - O que é o ser poeta?

É poder ver as coisas que todos nós vemos e traduzir em versos. Não é muito diferente de ser uma pessoa comum. A habilidade está em traduzir em poesia, o que é comum a todo o ser humano. É claro que existe uma habilidade para olhar, sentir e perceber, mas é poeta quem traduz tudo isso em versos.

VIVER – O lançamento deste livro, marca alguma fase da sua vida?

O livro é um presente de Abimael Silva e de alguma maneira comemora meus 40 anos, completados em 27 de junho. A ideia é também lançar o livro para um público que ainda não conhece os meus poemas, no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Agradeço muito este presente de Abimael e a Alexandre Oliveira, que fez a capa. A capa diz algo sobre a Iracema, que estuda e ama a cultura grega.

VIVER – E o que diz o seu nome?

Eu adoro ter este nome. Ele foi criado por José de Alencar e significa lábios de mel. Além de ser algo erótico, abençoa a vida e tira a ideia de amargura.

VIVER – em que crença você se apoia?

Não é ateia, sou o que se chama de politeísta. Acredito em vários deuses, forças imaginarias, com as quais podemos dialogar para enfrentar os momentos delicados. Gosto da música de Caetano, quando ele diz: “quem é ateu e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus, não cessam de brotar”.
Fonte: Tribuna do Norte

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